Há Taça da Liga a decorrer em Portugal, mas hoje é a Premier League inglesa que mais chama as atenções. Porque Marco Silva vai lutar pela permanência à frente do Everton no dérbi do Mersey, contra o aparentemente imbatível Liverpool FC, e porque José Mourinho leva o seu Tottenham até Manchester, para enfrentar o veredicto do Stretford End e a oposição do Baby Face Killer, Ole Gunnar Solskjaer. Mourinho, ontem, foi igual ao Mourinho de todos os inícios: sedutor, quando afirmou que não é o inimigo, e inspirador, quando citou Nelson Mandela a propósito do seu período em Old Trafford. “Eu nunca perco. Ou ganho ou aprendo”, disse. E o jogo de logo vai mostrar o que o treinador português aprendeu na passagem pelo United que agora defronta.
Vamos falar de números. Um, o mais badalado, é o que compara a carreira de Mourinho há um ano, quando foi despedido, na entrada da segunda quinzena de Dezembro, com a atual performance do United sob o comando de Solksjaer. Era sexto na Liga, com 26 pontos em 17 jogos, a uns longínquos 19 pontos do líder, que era o Liverpool FC. Tinha, além disso, conseguido a qualificação para os oitavos de final da Liga dos Campeões, mas já estava fora da Taça da Liga, afastado nas grandes penalidades pelo Derby County. Atualmente, ainda com duas semanas por cumprir para que a comparação seja perfeita, o United de Solskjaer é 10º na Liga, com 18 pontos em 14 jogos, o que quer dizer que se ganhar as três próximas rondas ainda pode superar o parcial de há um ano, mas que lhe basta um empate para ficar aquém. Continua na Taça da Liga, tendo inclusive eliminado o Chelsea em Londres, e está apurado para os 16 avos de final da Liga Europa. Não melhorou, portanto.
Quer isto dizer que a pressão está, naturalmente, do lado do norueguês – e aproveitar isso foi sempre algo em que Mourinho é bom. A fazer crescer essa pressão está ainda o sucesso do português em White Hart Lane. Mais números: esta é, apenas, a quarta vez na carreira de Mourinho em que ele ganha os primeiros três jogos à frente de um novo clube. Tinha-o conseguido no FC Porto em 2001/02 (2-1 ao Marítimo, 1-0 ao Varzim e 3-2 ao Benfica), na primeira passagem pelo Chelsea, em 2004/05 (1-0 ao Manchester United, 1-0 ao Birmingham City e 2-0 ao Crystal Palace) e, exatamente, no Manchester United, em 2016/17 (2-1 ao Leicester City, 3-1 ao Bournemouth FC e 2-0 ao Southampton). E ainda mais números. Já lhe tinha acontecido manter as próprias redes a zero nos primeiros três jogos: além do Chelsea de 2004/05, repetiu o feito no Real Madrid, em 2010/11 (0-0 em Maiorca, 1-0 ao Osasuna e 2-0 ao Ajax). Ora desta vez isso está longe da realidade, pois este Tottenham de Mourinho sofreu seis golos nos seus primeiros três jogos. Mas marcou dez, estabelecendo um arranque ofensivamente impressionante, superando os sete que ele tinha conseguido quando chegou ao Manchester United.
O que se tem visto de Mourinho no Tottenham é o Special One igual ao Special One de todos os inícios. Faz uso de umas tiradas com piada, soundbytes que caem no goto dos adeptos e motivam os jogadores, como aquele em que perguntou a Delle Ali pelo irmão. “És o Delle Ali ou o irmão dele? Pelo que tens jogado até parece que és o irmão…” Puxa os adeptos para a causa, com gestos tão simples como a comunhão com o apanha-bolas que, pela ação rápida, esteve na origem de um golo dos Spurs – e não há adepto que não fique sensibilizado com a honra que o treinador atribui a um dos seus, ainda por cima uma criança. Elogia os jogadores que mais se esforçam, como foi o caso de Son, cuja ética de trabalho e qualidade em campo fazem com que tenha tudo para ser o jogador-símbolo de Mourinho no Tottenham. E, como já vimos nos números, põe a equipa a praticar um futebol ofensivo e atrativo, ainda que com problemas na gestão dos resultados e dos ritmos – a forma como sofreu em dois jogos depois de chegar aos 3-0, permitindo o 3-2 final, ou o modo como deixou o Olympiakos adiantar-se até ao 0-2 são disso exemplo.
Mas essa é a parte em que Mourinho ganha. Falta falar da parte em que “aprende”. Onde ele pode aprender é na capacidade para manter este espírito depois dos primeiros desaires, das primeiras desilusões com os jogadores, dos primeiros Drogbas, que aparecem em todos os clubes. Se superar esse obsctáculo, teremos de volta o Mourinho de sempre.