Com três vitórias nos três últimos jogos que disputou na Liga e sem perder há cinco encontros, o FC Paços de Ferreira é uma das equipas em melhor forma na Liga Portuguesa e vai colocar essa condição em jogo mais logo (15h), no Funchal, contra o Marítimo. O conjunto orientado por Pepa está a ser uma das grandes surpresas da temporada, ocupando o quinto lugar quando estão decorridas 14 jornadas na competição. O Paços está, por isso, no encalce de nova temporada histórica, sendo que os dados estatísticos lhe dão sustentabilidade e permitem-lhe encarar o futuro com esperança. Mas, afinal, quais são os segredos deste Paços e porque é que tem sido tão difícil contrariá-lo?
“O FC Paços de Ferreira de Pepa é mais uma obra de autor de um promissor treinador nacional e quebra muitas das ideias preconcebidas sobre aproximar-se do triunfo, pela forma como, tendo tido menos posse em todos os jogos da Liga, é ainda assim a quinta que mais remata, e a quinta que menos remates consente”, avaliou recentemente o portal Lateral Esquerdo. “O Paços de Ferreira é uma equipa que acima de tudo é muito competente no seu momento defensivo e competente na forma como sai para contra-ataque em momento ofensivo”, assinalou Pedro Bouças, em análise recente, no programa Futebol Total, do Canal 11.
“Em todos os jogos [à oitava jornada] o Paços teve menos posse de bola do que os adversários. O que não quer dizer nada em termos de o aproximar à vitória. Em cinco desses oito jogos o Paços rematou mais. Não significa que tenha estado menos perto de vencer por ter menos bola. É uma equipa bem organizada defensivamente que parte dessa organização para atacar e aí é muito perigosa. O Paços não precisa de ter muita bola para ser mais perigosa do que as equipas adversárias”, assinalou o analista e treinador.
“No ano passado o Paços de Pepa defendia em 4x4x2 e neste momento defende em 4x5x1. Sendo que a linha média não tem um elemento que declaradamente fique atrás dos outros. Por vezes as equipas defendem 4x1x4x1 com um médio defensivo e o Paços tem mais do que um jogador muito preocupado em proteger a linha dos médios. Tem uma linha de três médios que se movimenta em função da bola. O Eustáquio que é o elemento do meio não está necessariamente atrás dos outros colegas. Quando a bola sai no central esquerdo, o Luiz Carlos sai sempre na pressão. Sempre que há um passe entre os centrais adversários é o Luiz Carlos que vai fazer a pressão. É um médio que apesar dos seus 35 anos tem uma grande capacidade de recuperação de bola. Bola recuperada, chegada à área adversária em superioridade numérica. Vemos um, dois, três, quatro, cinco, seis jogadores a chegar à área perante os quatro elementos da equipa contrária”, explica Pedro Bouças.
Em 2012/13, o FC Paços de Ferreira terminou a Liga na terceira posição, com 54 pontos em 30 jogos, numa média de 1,8 pontos por jogo. Quase uma década depois e já com passagem pela II Liga pelo meio, o emblema da Mata Real está novamente na calha de uma super temporada. Ao fim de catorze jogos a equipa de Pepa tem 25 pontos, numa média de 1.78 pontos por jogo, ou seja, média praticamente igual à alcançada em 2012/13, tendo a equipa pacense já vencido FC Porto e SC Braga.
Os bons resultados nada têm de fortuito. Face às oportunidades resultantes dos remates efetuados pelo FC Paços de Ferreira esta temporada, a equipa de Pepa regista neste momento o quinto melhor índice de pontos esperados, precisamente a posição que ocupa na tabela. Isto resulta do facto do Paços ter também o quinto melhor registo em matéria de golos esperados, mesmo que apenas o oitavo melhor em matéria de golos sofridos esperados.
Aí, Jordi tem sido decisivo. O guardião pacense tem sido um dos melhores da Liga, ajudando a equipa a um registo de golos reais inferior ao esperado face à quantidade e qualidade das oportunidades de golo permitidas aos adversários. Se os castores já não são uma equipa que permita grandes oportunidades aos avançados, o pouco que permitem tem ainda sido evitado muitas vezes pelo guarda-redes que chegou esta temporada à Mata Real oriundo do Vasco da Gama, a custo zero. Jordi já tinha sido considerado pela GoalPoint o melhor guardião do Brasileirão passado e foi, entretanto, eleito melhor em campo em três dos jogos do Paços esta época: frente ao Santa Clara (2-1 para o Paços), frente ao Belenenses SAD (2-0 para o Paços) e ainda na recente vitória por 2-0 frente ao SC Braga que elevou ainda mais o patamar mediático para o conjunto de Pepa.
São, aliás, agora, três os jogos consecutivos dos castores sem qualquer golo sofrido. A equipa de Pepa soma apenas doze golos sofridos, um registo que apenas é superado pelo Sporting e pelo Belenenses SAD. Mas não é só de solidez e coesão defensiva que se faz o jogo pacense. A objetividade e verticalidade do ataque do Paços tem sido muito difícil de defender, pois a equipa de Pepa não precisa de ter muita bola para ser perigosa. Só o Farense regista até ao momento uma média de posse de bola por jogo inferior à do Paços, mas isso não invalida que o conjunto de Pepa seja um dos que mais facilidade tem em criar situações de golo.
“É uma equipa que recupera a bola e sai muito rápido no contra-ataque. Em três ou quatro segundos está a finalizar na área adversária depois de ter estado em momento defensivo”, explica Pedro Bouças no Canal 11. “Os alas são médios ala, no momento em que recuperam a bola aceleram para chegar à área adversária. Há outro pormenor interessante na forma como a equipa contra-ataca. Bola recuperada na metade esquerda do campo, mas orienta o contra-ataque para o lado oposto. Geralmente o lado onde há mais espaço, o Paços recupera a bola num dos lados do campo e circula a bola pelo lado oposto. É uma matriz tática do Paços. O sistema foi sempre o mesmo ao longo dos primeiros jogos da Liga”, afirmou ainda. “Muito pouco tempo após recuperar a bola, o Paços está a finalizar no lado oposto de onde a recuperou”.
“Há ainda outro pormenor importante. Quando as coisas não correm bem e perde a bola, é de reparar no comportamento da equipa: pressão rápida para tentar recuperar imediatamente a bola. Em vez de recolher e passar a um posicionamento mais recuado, mais junto, pressão e recuperação da bola trabalhando o lance para explorar o lado contrário. Sempre com velocidade e verticalidade, chegando quase sempre poucos segundos depois à área adversária com os médios de cobertura a aparecer em zonas de finalização”, reitera Pedro Bouças.
Apesar do segundo “pior” registo em matéria de posse de bola, o Paços é, como vimos, o conjunto com o quinto melhor índice de golos esperados, ou seja, em função dos remates efetuados, o conjunto com melhores oportunidades de golo criadas. A equipa pacense tem mesmo o quinto melhor registo ofensivo da Liga, tendo sido a quinta que mais remates tentou. E, curiosamente, até nem tem sido assim tão eficaz quanto isso já que o Paços tem somente o décimo melhor registo em matéria de taxa de enquadramento com a baliza, endereçando 36.5% dos remates à baliza adversária.
Só quatro equipas acertaram mais vezes no ferro do que o Paços que é ainda a terceira equipa que mais rematou fora da área na liga portuguesa. Registos que até dão a entender que o Paços de Ferreira nem sempre toma as melhores decisões no último terço e que até podia estar a aproveitar ainda melhor os seus ataques. Algo evidente ainda no facto do Paços ser uma das equipas com menos toques na bola dados dentro da área adversária, bem como uma das equipas com menos ações concretizadas no último terço do campo.
Algo que acaba por ter algum eco no seu rácio entre golos esperados e golos reais já que o diferencial é mínimo: 19 golos em 18.99 xG. Em jeito de comparação, todas as equipas acima na classificação estão em claro sobre rendimento face aos golos esperados, algo natural em função da maior qualidade individual à disposição de SC Braga, Benfica, FC Porto e Sporting. O Paços é ainda uma das equipas com menos passes efetuados para o último terço e só três equipas fazem menos passes por minuto de posse de bola. Ou seja, a objetividade e verticalidade do Paços tem sido clara e difícil de travar – e até há por onde melhorar -, enquanto que sem bola a equipa de Pepa é extremamente coesa não lhe sendo fácil marcar golos.
Com uma capacidade de organização assinalável, a coesão permitida pela entreajuda dos indivíduos é chave no sucesso do Paços. Uma entreajuda que foi decisiva para Pepa no triunfo frente ao Belenenses SAD. “É jogo a jogo. Sei que é um chavão, mas é a realidade e não dá para pensar em outra coisa. Pezinhos bem assentes no chão e mantermos, acima de tudo, este espírito e este foco. Foi bem visível a entreajuda que o grupo tem. As confirmações vêm no final. Pode ser uma surpresa para muita gente, mas para nós não. Não ganhámos nada, não fomos campeões de nada, mas ganhámos três pontos e fomos pragmáticos. O campo é muito difícil de jogar e tivemos de ser inteligentes nesse aspeto”, sublinhou.
“Tínhamos de ser uma equipa campeã. Quando não dá para tocar violino, toca-se tambor ou bombo. Saímos daqui com os três pontos. Era preciso perceber o que o jogo pedia e, nesse aspeto, fomos exímios”, afirmou ainda, sintomático da consciência de que nem sempre o FC Paços de Ferreira é uma equipa que corresponde aos dogmas do futebol atrativo. Mas, acima de tudo, uma equipa de inteligência tática e grande componente estratégica como Pepa também destacou após o triunfo surpreendente perante o SC Braga.
“Muita inteligência tática. Fomos irrepreensíveis na segunda parte ao fechar muito bem os espaços. Lembro-me de uma oportunidade clara do Braga, do Horta, de resto abrimos o campo. Tivemos muita dificuldade na primeira parte porque tínhamos alas muito metidos por dentro. Não tínhamos espaço, o jogo estava a ficar muito afunilado. O Braga é mais forte em termos individuais no meio-campo. Na segunda parte, foi pedido – e saliento a alegria enorme pela capacidade de inteligência dos jogadores – que se abrisse o campo para sairmos dos duelos individuais e dar espaço aos médios interiores para alargar a linha defensiva do Braga. Isso aconteceu, o golo do Bruno foi assim. Ficamos mais confortáveis no jogo. Com a linha de três defesas do Braga, ficamos mais confortáveis apesar da complexidade do jogo. Foi um jogo bonito de se ver em termos táticos. Os jogadores demonstraram inteligência e concentração no jogo todo. Enfrentar este Braga é muito difícil”, afirmou.
Com 25 pontos alcançados ao fim de catorze jornadas disputadas, o FC Paços de Ferreira regista a mesma média pontual com que terminou a temporada 2012/13 na terceira posição. Caso mantenha a média, o conjunto pacense chegará aos 61 pontos registo pontual que valeu o terceiro lugar ao SC Braga na temporada passada. “Temos de ser realistas. A realidade é dentro do campo. Nós não queremos estar a pensar no amanhã e noutras posições. Temos os pés bem assentes no chão”, recorda Pepa. Uma coisa é certa: em 2021, três jogos, três vitórias, e nenhum golo sofrido.