O futebol não é uma ciência exata. Muito menos o é a evolução de um jogador. Uns atingem o pico mais cedo, ainda adolescentes; outros, mais tarde, numa altura em que já poucos acreditariam no sucesso de uma carreira futebolística ao mais alto nível. Para Fábio Abreu, a explosão na Liga portuguesa chegou aos 27 anos. Para quem com ele conviveu, era uma questão de tempo. O segredo estava guardado dentro de um frasco de pickles.
“Pode surpreender um pouco, já que ele esteve uma época parado, ou praticamente uma época, e pelas características que ele tinha. Entretanto melhorou. Sempre foi um bom finalizador, mas era um pouco lento. Um pouco lento a fazer as coisas. Entretanto está a tornar-se mais rápido. Nas movimentações… Ainda agora, neste último jogo, as movimentações que ele faz, aparecendo ali entre os centrais, identificando onde a bola vai cair… é exemplificativo do que dizia”, afirma Filipe Neto, adjunto de Ivo Vieira no Marítimo B, por onde passou Fábio Abreu entre 2013 e 2017.
Com o golo apontado ao Marítimo este fim de semana, Fábio Abreu chegou aos dez na Liga. O avançado natural de Lisboa, mas internacional angolano em quatro ocasiões, está a caminho da melhor época da carreira e já conseguiu algo que mais nenhum jogador fizera esta temporada: os seis jogos consecutivos a faturar, série em que se encontra, é a maior na prova em 2019/20. Fundamental para que também o Moreirense atravesse o melhor momento da presente campanha. Em Moreira de Cónegos acreditaram em Fábio Abreu e o ex-Penafiel correspondeu. Dez golos em 24 jogos na Liga, quando até esta temporada somava apenas 67 minutos na competição.
Depois de 37 minutos de jogo em 2014/15, ao serviço do Marítimo, distribuídos por seis jogos, e de 30 minutos frente ao Moreirense, na última jornada da temporada seguinte, quis o destino que fosse precisamente em Moreira de Cónegos que Fábio Abreu atingisse o nível que há muito prometia. Era uma questão de tempo, ainda para mais, depois de duas temporadas de bom nível ao serviço do Penafiel, para onde saiu depois da aventura madeirense, já depois de em 2015/16 ter apontado 19 golos em 30 jogos pelo Marítimo B.
“Agora parece fácil dizer que não fico propriamente surpreendido com esta explosão, mas eu estou muito à vontade para falar do Fábio. Quando eu cheguei a Penafiel o Fábio era um jogador desmotivado, que tinha tido expetativas altas no Marítimo e estado um ano parado com alguns problemas. Pouca gente acreditava no Fábio e a verdade é que ele, em dois anos, teve uma evolução grande. Os números já nessa altura o comprovam. Na altura, falei do Fábio a muita gente, mas poucos acreditavam nele. Em Moreira acreditaram e a verdade é que o Fábio está a corresponder. Fico muito feliz com isso porque o Fábio Abreu é uma ótima pessoa. Como jogador está à vista de toda a gente, mas como pessoa é fantástico. Fico muito contento com o seu sucesso”, diz-nos Armando Evangelista, que treinou Fábio Abreu no FC Penafiel.

O segredo estava guardado dentro de um frasco de pickles.
Foi com Armando Evangelista que Fábio Abreu deu nas vistas na II Liga. Foi com o agora técnico do Vilafranquense que, em Penafiel, rubricou as melhores temporadas da carreira (as duas últimas), na primeira verdadeira oportunidade que teve no futebol profissional. Em 2017/18, por exemplo, temporada de estreia no clube nortenho, Fábio Abreu chegou aos 12 golos, os mesmos que regista agora em março de 2020. O segredo pode muito bem ter estado guardado num frasco de pickles, o mesmo que um dia levara para Inglaterra.
Natural de Lisboa, foi ao serviço do Bacup Borough e do Mossley AFC que Fábio Abreu deu os primeiros toques na bola. Só em idade júnior chegou ao Marítimo, deixando assuntos por resolver em Inglaterra. Futebolisticamente falando, isto é. Quem o conhece não tem dúvidas: jogar em Inglaterra é o grande objetivo de carreira de Fábio Abreu e praticamente todo o seu trabalho diário vai nesse sentido. “Ele veio de Inglaterra, tinha ligações lá e, falando com ele, percebia-se que era um objetivo e que ponderava um dia voltar para lá. Como tinha contrato com o Marítimo estava preso ao clube. Ele sentia que cá lhe estava a faltar alguma coisa e tinha essa perspetiva”, confidencia Filipe Neto. Incansável e atento ao detalhe, o avançado do Moreirense é um homem obstinado e não desdenha o mais ínfimo pormenor. Tudo o que o possa ajudar a melhorar é bem-vindo.
“Na II Liga há alturas de sobrecarga elevada e há uma grande acumulação de jogos: jogamos à quarta, ao fim de semana, e o Fábio andava com alguma fadiga muscular. Foi-lhe dito que aquele líquido dos pickles, não sei se sabe, é muito rico e ajuda à recuperação física. E pode ter a certeza que depois disso não havia jogo em que o Fábio não bochechasse a boca com aquilo. Andava sempre com pickles e com aquele sumo dos pickles atrás. Deu-se bem com isso e a verdade é que tudo o que achasse que o ajudava a melhorar, o Fábio estava disposto a fazer. Isso demonstra bem a forma que ele tem de encarar a profissão”, conta Armando Evangelista.

Profissional de excelência e um trabalhador incansável
Esoterismos e superstições à parte, uma coisa parece certa: Fábio Abreu, 27 anos, tem tudo para triunfar. À medida que a ciência desportiva avança, o fim da carreira está cada vez mais longe de ser uma realidade. Resta-lhe muito futebol para ser jogado, muitos quilómetros por percorrer. Para ao avançado do Moreirense, as ideias são claras e conseguir atingir os objetivos de carreira a que se propuser será somente uma questão de oportunidade.
“É só uma questão de oportunidade. O Fábio teve a oportunidade de jogar na II Liga, em Penafiel, e com muito trabalho e sendo bom ouvinte, impôs-se. Teve oportunidade na I Liga e está a conseguir impor-se. Se lhe derem uma oportunidade mais acima, num clube com outra dimensão, certamente terá capacidade para se impor”, assegura Armando Evangelista.
“O Fábio sempre mostrou vontade de ser jogador de futebol e foi trabalhando e lutando por isso, mesmo apesar de algumas adversidades e de ter estado aquele ano sem competir. Ele sempre quis ser melhor, mantendo-se ativo. Esta evolução que tem estado a ter… Ele pode ir mais alto. Tem de continuar a ser esforçado e dedicado como sempre foi. De certeza que tem o caminho identificado e tem-no trilhado. Tem objetivos. Ele sabia bem onde queria chegar e trabalhava sempre em função disso. Certamente que se definiu um patamar superior e eu acredito que sim, porque ele é uma pessoa ambiciosa, acredito que consiga chegar lá”, acrescenta Filipe Neto.
Para o antigo técnico do Marítimo B, o trabalho e a determinação de Fábio Abreu foram chave para que o avançado atingisse o nível que vai mostrando por esta altura em Moreira de Cónegos. Aquilo que se vê em campo é um vislumbre do que sempre se anteviu em Fábio Abreu. O resto, veio com trabalho e sacrifício. Querendo aprender, mais, sempre mais; estipulando objetivos e trabalhando em prol deles. Acima de tudo, sabendo ouvir.
“Está a tornar-se mais rápido e isso ajudou-o a subir o nível. A qualidade estava lá. Nós víamos. Ele trabalhava situações de finalização, de movimentação para surgir isolado, mas ia sempre à mesma velocidade, não conseguia ter variações de velocidade que são importantes para iludir os defesas. A qualidade estava lá, faltava apenas conseguir essas variações de velocidade e fazer as coisas mais rápido. Nós víamos isso”, diz Filipe Neto.
“O Fábio é aquele tipo de jogador que acima de tudo sabe os sacrifícios que tem de fazer nesta curta carreira de jogador de futebol. O Fábio está na disposição de abdicar daquilo que tem de abdicar, para um jovem da idade dele, em função dos objetivos que determinou para a sua carreira. Disso não tenho a menor dúvida”, acrescenta Armando Evangelista.
Para o atual técnico do Vilafranquense, Fábio Abreu é consciente de que é no detalhe que está o sucesso: “Não tenho dúvidas de que esse profissionalismo o fez chegar até aqui. Hoje em dia o mercado é tão vasto, chegam tantos jogadores de tanto lado a toda a hora e o detalhe é que faz a diferença. O Fábio sabe disso. Cuida-se ao detalhe, trabalha o detalhe e por isso mesmo está a ter o sucesso que está a ter”.
Fábio Abreu em 2019/20


Detalhe a detalhe, rumo a Inglaterra
A viver um dos melhores – senão mesmo o melhor – períodos da carreira, Fábio Abreu é hoje uma das figuras extra grandes do futebol português. Com dez golos marcados na Liga, seis deles consecutivos, naquela que é a melhor série da temporada em toda a competição, só é superado por Pizzi e Carlos Vinícius na lista de melhores marcadores. Fundamental para que também os Cónegos sigam na melhor fase da época: são já seis jogos invictos para o Moreirense, os mesmos em que Fábio Abreu marcou.
Mas nem sempre a carreira de Fábio Abreu viveu estes momentos de fulgor. A explosão em Penafiel diz muito da personalidade forte do avançado, pois chegou meses depois de uma disputa laboral com o Marítimo e de problemas contratuais o terem impedido de competir durante toda a temporada de 2016/17. Para Armando Evangelista, esse período pode muito bem ter sido decisivo naquilo que é hoje Fábio Abreu. Não só profissionalmente, mas também pessoalmente.
“Aquele ano, pelo menos, alertou-o para algumas situações. O Fábio é um jogador muito ambicioso, não acredito que ele se sinta realizado com aquilo que está a fazer. Conhecendo-o como o conheço, acredito que ele quer muito mais. É muito profissional, não só ao nível do trabalho diário, como tem uma vida de atleta muito regrada. É de facto muito profissional. Um jogador focado que sabe aquilo que quer. Acredito que aquele ano serviu para o alertar, para ele querer recuperar tempo perdido. Acredito que o tenha motivado para isso. Não digo agora, mas provavelmente naqueles dois anos que trabalhou comigo em Penafiel. Acredito que sim, porque o Fábio era um jogador que queria absorver tudo. Um bom ouvinte, que queria aprender tudo, que queria evoluir. E acho que está agora a tirar benefícios do trabalho que fez nesses dois anos. Um jogador compenetrado com ideias límpidas sobre aquilo que quer para a sua carreira”.
O futuro, esse, pode muito bem passar por Inglaterra: “Inglaterra é um objetivo, claro. Ele viveu lá durante alguns anos e sei que ele tem essa ambição. Não me admirava vê-lo nesse patamar. Não são só os golos, são as assistências que ele tem feito. É o trabalho que tem desenvolvido. Acho que o Fábio ainda vai a tempo e não tenho dúvidas que vai conseguir chegar a esse patamar”, assegura Armando Evangelista.
Um avançado para outros voos, mas cuidado com os penáltis
Forte, possante e praticamente impossível de derrubar. Fábio Abreu é hoje um avançado completo e para quem com ele conviveu e trabalhou, um avançado para voar tão alto quanto o próprio quiser. Mentalmente forte e obcecado pelos golos, nem que para isso tenha de roubar grandes penalidades aos colegas de equipa. António Xavier, hoje ao serviço do CD Tondela, mas antigo colega de equipa de Fábio Abreu no Marítimo, que o diga.
“Houve uma situação uma vez no Leixões que até me chateei com ele. Houve um penálti e devia ser o [António] Xavier a marcar. O Xavier põe a bola na marca e o Fábio começa a correr e atira a bola à barra e falha o penálti. Chateei-me com os dois. Foi meio combinado. Acho que o Xavier pôs a bola e depois quando ia começar a correr, o Fábio disse ‘deixa para mim’. Correu mal”, conta-nos Filipe Neto. Mas ao menos não teve interferência no resultado?
“Valeu pontos foi para o Leixões. Foi um jogo em que perdemos três a zero e podíamos ter ganho por uns cinco. Daqueles jogos em que falhámos a torto e a direito. Houve ainda um lance com o Luís Olim e com o Fábio em que a bola bate na barra, bate no guarda redes e depois fica ali na pequena área e o Olim e o Fábio não conseguem finalizar e nenhum acaba por fazer golo”, diz ainda o antigo técnico do Marítimo B entre risos.
Uma coisa é certa: para o bem e para o mal, o lance é ilustrativo da força mental e personalidade forte de Fábio Abreu, fatores que acabam, também, por ser segredo para o momento atual do avançado: “Mas essa situação mostra a sua personalidade. A vontade de marcar o penálti, e o Xavier marca muito bem penáltis, é elucidativa da confiança que o Fábio tem em campo. A vontade dele em fazer golos. Fisicamente ele é forte, é possante. Quando os centrais encostam e batem nele não é fácil derrubá-lo. Isso é uma mais valia para ele”.
Só o futuro dirá se Fábio Abreu terá a sorte e acima de tudo a oportunidade para chegar a outro patamar que, nisto do futebol, nem sempre o talento e determinação são suficientes para atingir os objetivos a que os jogadores se propõem. É que se somente disso dependesse, Armando Evangelista acredita que nada impediria Fábio Abreu de atingir outros patamares. Capaz de jogar em qualquer equipa, grandes incluídos. Os pickles ingleses esperam por ti, Fábio.
“Além do que disse como pessoa e dos detalhes relativos ao seu trabalho, o Fábio é um jogador possante fisicamente, um jogador que tem uma força física impressionante. Um jogador rápido, que tem presença na área não sendo um jogador estático. Ele sabe jogar bem por fora. Comigo em Penafiel jogou por fora, é evoluído tecnicamente, tem bom jogo aéreo. É aquele jogador que joga muito bem de costas para a baliza, que segura bem a bola. Acho que o Fábio é um jogador capaz de jogar em todas as posições do ataque, pela esquerda, pela direita, pelo centro. É um jogador moderno. Completo. Muito útil a qualquer equipa. Forte, rápido, um finalizador, tem jogo aéreo, pode jogar por fora, por dentro… Muito, muito útil a qualquer equipa e penso que por isso mesmo vai chegar a outro patamar”.
A impressionante série de golos de Fábio Abreu