No dia em que os quatro primeiros classificados da Liga portuguesa – e da última também, já agora – regressam às competições internacionais, com o recomeço da Liga Europa, convém desfazer desde já uma série de preconceitos. Como o que postula que o facto de Portugal ter quatro representantes nos 16 avos de final, sendo mesmo o país com mais clubes em prova, nos “obriga” a ter sucesso. Ou o que se monta em cima da superioridade lusa nesta espécie de segunda divisão europeia para defender que o nosso lugar é outro, na Liga dos milhões. Ou ainda o que vê nos confrontos além-fronteiras uma possibilidade de fazer uma espécie de bypass ao que corre mal em Portugal. Tudo errado. Até porque, não se iludam, como Bruno Lage deixou intuir sem o dizer, o que importa é o campeonato. E os quatro têm muito por jogar cá em casa.
O primeiro preconceito é fácil de anular. Sim, Portugal tem um oitavo dos clubes presentes na Liga Europa em Fevereiro. São quatro em 32, tal como tinha a Espanha há um ano, por exemplo, com Betis, Villarreal, Sevilha e Valência. Dos quatro espanhóis de 2018/19, o Betis saltou fora logo nos 16 avos de final contra o Rennes, o Sevilha ainda passou a Lazio mas caiu depois contra o Slavia de Praga, tendo Villarreal (que até eliminou o Sporting) e Valência acabado por se defrontar nos quartos-de-final. Os valencianos, vencedores desse encontro fratricida, acabaram eliminados nas meias-finais pelos ingleses do Arsenal. Ainda se lembram, seguramente, que a final de 2019 foi 100 por cento inglesa, ganha pelo Chelsea ao Arsenal. Do que seguramente não se recordam é de quantas equipas inglesas havia nos 16 avos de final. Eram duas, precisamente as duas finalistas. Portanto, quantidade não é qualidade e o facto de haver quatro equipas portuguesas nos 16 avos de final não traz necessariamente de volta o ano de 2010/11, em que os mesmos quatro de agora estiveram nesta fase da prova, três atingiram as meias-finais e o FC Porto acabou por vencer o SC Braga na final de Dublin (1-0).
Até porque, ao contrário do que sucedeu nessa altura, desta vez todos têm ainda muito a jogar internamente. Meio a brincar, meio a sério, dizia ontem Bruno Lage que não respondia à pergunta acerca do que era mais importante, a Liga portuguesa ou a Liga Europa. “Se lhe respondo, o presidente despede-me”, disse. Em meados de Fevereiro de 2011, quando este quarteto português regressou à Liga Europa depois da pausa invernal, o FC Porto de André Villas-Boas comandava a Liga nacional com oito pontos de avanço sobre o Benfica de Jorge Jesus e este já tinha 15 pontos a mais do que o Sporting de Paulo Sérgio, que ainda assim era terceiro. O SC Braga de Domingos Paciência era sétimo, a seis pontos dos leões. Tudo mais ou menos resolvido, portanto, a deixar espaço para que toda a gente se envolvesse um pouco mais na competição europeia. Desta vez não é assim: Benfica e FC Porto estão separados por um ponto numa luta faiscante pelo título e o mesmo sucede com SC Braga e Sporting, ambos envolvidos na perseguição ao terceiro lugar.
E, convençam-se de uma coisa: é dos resultados em Portugal que depende a felicidade das nossas equipas. Até porque essa coisa da posição no ranking só serve mesmo para alimentar uma espécie de nacionalismo que os anos inevitavelmente contrariarão. É sempre assim: o país que chega ao sexto lugar e mete mais uma equipa na Champions – e menos uma na Liga Europa, onde o ponto é mais fácil de obter – dura por lá uns dois anos antes de voltar a cair para sétimo, por troca com aquele que entretanto lhe cedeu a tal vaga na Champions, onde o ponto foca mais caro, e ganhou-a na Liga Europa.
Mas há que ter em conta que na LC há um bónus de 4 pontos só pela entrada na fase de grupos (que não existe na LE). Mesmo que uma equipa faça 0 pontos, tem sempre esse 4 assegurados. Para além disso, há ainda um bónus de 5 pontos em caso de apuramento para os oitavos de final (que também não existe na LE).
E tão importante como o ranking do país é o do clube, uma vez que faz toda a diferença ser cabeça de série nos sorteios ou estar num pote da LC mais acima. Estando pelo menos no Pote 3, há sempre há a hipótese de fazer pelo menos 2 vitórias com a equipa do Pote 4. Estando no Pote 4, a probabilidade de os pontos serem próximos de zero é bem maior.
A grande desvantagem é mesmo a de os pontos serem a dividir por mais uma equipa, que normalmente não é muito forte e quase sempre é afastada nas pré-eliminatórias (exceto este ano)…