No FC Porto ficou marcado por um golo a fazer lembrar Maradona, diante do Olympique Marselha, mas agora é como treinador que Tarik Sektioui dá cartas no futebol marroquino. Aos 42 anos, o ex-jogador tem o maior teste da ainda curta carreira no comando técnico do RS Berkane, equipa que nunca foi campeã. Até à suspensão do campeonato, os comandados do antigo extremo portista estavam a quatro pontos do líder, o Wydad AC, e bem dentro da luta pelo título, com 12 partidas ainda por disputar, depois de terem ficado invictos durante as primeiras onze jornadas da competição. Também na Taça das Confederações da CAF, onde estão nas meias-finais, o objetivo passa por erguer o troféu, depois do clube ter sido finalista vencido na edição de 2019 desta competição secundária no panorama africano.
“Este vai ser o primeiro grande teste dele como treinador.” Foi assim que o Berkane anunciou a contratação de Sektioui para pegar na equipa, em setembro de 2019. Depois de uma precoce eliminação nos 16 avos de final da Taça de Marrocos, o clube decidiu prescindir dos serviços de Mounir Jaouaan e apontou a um novo rumo com Sektioui. O ex-jogador do FC Porto iniciou-se como treinador em 2013, dois anos após ter pendurado as chuteiras, e tem vindo a subir passo a passo. Depois de passar por emblemas da metade de baixo da tabela ou mesmo do segundo escalão, agora em Berkane a bitola é maior – o conjunto vem de um sexto lugar e desde que subiu, em 2012, só por uma vez não ficou nos dez primeiros.
Detentor de um dos estádios com menor lotação na Liga de Marrocos (nove mil espectadores, apenas acima dos do Youssoufia Berrechid, do FUS Rabat, do Nahdat Zemamra e do Rapide Oued Zem), a melhor classificação do Berkane no principal escalão é datada de 1982/83, temporada que terminou na vice-liderança. Após vários anos a militar na divisão secundária, o melhor que conseguiu após o regresso aos grandes palcos do país foi a quarta posição em 2016/17, precisamente o posto que agora ocupa.
Começou às mil maravilhas a estreia de Sektioui no Berkane. Para além de ter virado a eliminatória diante dos ganeses Ashanti Gold na fase de qualificação para a Taça das Confederações africana, chegou a somar uma série de onze jornadas seguidas sem conhecer o sabor da derrota no campeonato marroquino. Por isso mesmo, era líder isolado da tabela classificativa até à 12.ª ronda. No entanto, uma onda recente de resultados menos positivos – não vence para a liga há sete compromissos – dificultou um pouco mais as contas. Continua, ainda assim, a quatro pontos do topo (Wydad – 36 pontos em 18 jogos; FUS Rabat – 35 pontos em 20 jogos; MC Oujda – 34 pontos em 19 jogos; Berkane – 32 pontos em 18 jogos).
Um dado fica a reter nesta campanha. Não é fácil ganhar à turma de Sektioui, que conta apenas duas derrotas no campeonato, o menor registo da competição. Em termos internos, apesar de não ser uma força da natureza no futebol ofensivo (tem apenas o oitavo melhor ataque da Liga Marroquina, com 19 remates certeiros), é da consistência defensiva que se tem alimentado para se constituir como candidata ao título (os 15 golos consentidos são a terceira melhor marca na prova). No entanto, é um Berkane diferente aquele que aparece em competições internacionais. Não surpreende que a equipa tenha alcançado as meias-finais (adiadas devido à pandemia de Covid-19) da Taça das Confederações, até pelo poderio evidenciado com um total de 16 golos marcados e seis sofridos em oito encontros. Após ter saído derrotado pelo Zamalek SC na final do ano passado, ainda sem Sektioui como treinador, o Berkane tem pela frente os compatriotas do Hassania Agadir (14.º classificado na liga) para chegar novamente ao duelo decisivo da competição cujo nível equivale ao da Liga Europa no futebol europeu.


Uma Taça para registo num início humilde
Foi em 2013/14 que Sektioui decidiu enveredar pela carreira como treinador e fê-lo através da porta de partida em que tinha deixado os relvados. O ex-futebolista começou a época no comando técnico do Maghreb Fès, equipa que tinha representado em 2010/11, na última aventura como jogador. No entanto, fui curta a passagem pelo emblema que então se encontrava no principal escalão. Cinco jogos (duas vitórias, duas derrotas e um empate) bastaram para que o antigo internacional marroquino dissesse adeus à primeira experiência como técnico.
No ano seguinte continuou pela cidade na qual nasceu, Fès, mas desta feita no Wydad local, também em divisões secundárias. Nas duas temporadas e meia posteriores voltou ao Maghreb Fès, após o clube ter caído no segundo escalão. Alcançou dois quintos lugares e conquistou a Taça de Marrocos em 2016, ao bater o Olympic Safi, da primeira divisão, por 2-1 na final. A experiência que ia acumulando, mesmo sem ser entre a elite do país, despertou a cobiça do Athletic Tétouan na reta final de 2018/19, cuja missão era evitar a descida. A equipa acabou em 13.º lugar, mas Sektioui foi despedido por ter desrespeitado “um número de cláusulas e de regras internas” estabelecidas, tal como especificou o clube no momento.
FC Porto, a memória do golo e uma época para lembrar
Falar de Sektioui e FC Porto na mesma frase certamente leva a memória de todos àquele golo marcado em 2007 diante do Olympique de Marselha para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Os azuis e brancos ganharam o compromisso por 2-1, mas foi o primeiro tento que correu o mundo. O então internacional marroquino (jogou pela seleção em 19 ocasiões) parecia ter andado a ver muitos vídeos de um tal Diego Armando Maradona e inspirou-se neles para pegar na bola a meio-campo, ir em drible até à área adversária, deixar oponentes e o guarda-redes para trás e atirar para o fundo das redes. Sim, sabemos que é diferente fazer um golo destes à seleção inglesa ou ao Olympique Marselha, mas ainda assim a inspiração estava lá, tal como foi retratada nas manchetes na imprensa desportiva nacional. É esse o principal cartão de visita de uma carreira que conta com três títulos de campeão português, para além de uma Taça de Portugal e uma Supertaça por cá.
Foi em 2006 que chegou ao Dragão vindo do futebol holandês, mas o FC Porto não foi a primeira experiência de Sektioui no desporto rei nacional. Na época de 1998/99, quando tinha ainda 22 anos de idade, esteve emprestado pelo AJ Auxerre ao Marítimo, treinado por Augusto Inácio e Nelo Vingada. O extremo marroquino não se conseguiu impor em solo madeirense e deixou a ilha com cinco encontros realizados pelo clube e um golo pelo meio. O AJ Auxerre também acabou por libertá-lo, isto após tê-lo adquirido em 1997 ao Maghreb Fès, clube da terra natal.
Na Holanda começou a ser dado reconhecimento ao futebol de Sektioui. Ao todo foram cinco as temporadas que passou com a camisola do Willem II. Não ganhou desde logo estatuto de indiscutível na equipa, mas foi conseguindo espaço aos poucos, até que despertou a cobiça do AZ Alkmaar, na sequência de 93 jogos e 21 golos em Tilburgo. No AZ realizou duas épocas, participando assim numa campanha até ao terceiro posto do campeonato holandês e às meias-finais da Taça UEFA (eliminado pelo Sporting) e noutra até à vice-liderança da liga no ano seguinte. 67 partidas e 12 remates certeiros depois, o FC Porto desembolsou cerca de um milhão de euros para o ter.
Na Invicta nem sempre foi o jogador mais bem visto, tendo por vezes sido o proclamado ‘patinho feio’ da equipa, até porque o futebol que praticava dentro das quatro linhas não era do mais tecnicista e deslumbrante que havia. Foi Co Adriaanse que decidiu contratá-lo, o holandês que tinha sido timoneiro de Sektioui no Willem II. A adaptação não correu da melhor forma e o marroquino acabou mesmo a segunda metade de 2006/07 cedido ao RKC Waalwijk.


Jesualdo Ferreira sim foi quem mais conseguiu retirar de Sektioui no FC Porto. Em 2007/08, o ‘Professor’ fez do internacional marroquino uma presença mais do que assídua no onze azul e branco – foi titular em 25 dos 34 compromissos que disputou na época. Essa foi mesmo a campanha mais goleadora da carreira até então com nove golos marcados. No entanto, é importante ressalvar que apesar da importância que vinha a ter raramente realizava os 90 minutos – fê-lo apenas por uma vez num duelo da Taça de Portugal perante o Sertanense. Em 2008/09 perdeu espaço com a chegada de Hulk e Cristián Rodríguez e contou somente seis titularidades em 18 aparições. Assim, acabou por sair rumo ao Ajman, dos Emirados Árabes Unidos. Em 2010/11 terminou a carreira com uns impressionantes nove golos em 15 partidas pelo Maghreb Fès, emblema no qual apareceu para o mundo do futebol e que acabou por ser o primeiro na carreira como treinador.
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