Há uma frase no folclore do futebol brasileiro que diz algo como: “Goleiro é tão especial que debaixo dos pés dele nem cresce gramado”. A evolução das técnicas de implantação dos relvados tornou o aforismo uma mentira apenas válida nos manuais de história, de forma que guarda-redes da idade do portista Diogo Costa já nem terão nascido a tempo de ver aquele triângulo de terra que marcava a zona de maior influência dos homens que vestiam a camisola 1, quanto mais aprendido a fazer as marcas no chão com as chuteiras, para melhor definir a sua zona de ação. Mas a filosofia por trás da frase continua atual: a posição de guarda-redes é tão especial que tem de ser tratada de forma diferente de todas as outras numa equipa de futebol. Já o tinha escrito aqui acerca de Vlachodimos e Perin, no Benfica, volto a dizê-lo agora a propósito do jovem guardião portista e das notícias relativas à eventual chegada de um tubarão que o substitua com ganhos: se é para vir, que venha já, porque se vier mais próximo de Agosto só vem estragar.
Não foram muitos os guarda-redes que se impuseram desde tenra idade no futebol nacional e que tenham completado o percurso desde a formação até à seleção nacional na baliza de um grande. Na verdade, só me lembro de dois. Vítor Baía, em quem Artur Jorge apostou em 1989, dando-lhe o lugar de Mlynarczyk, e Rui Patrício, que Paulo Bento preferiu a Stojkovic em 2007. Houve outros casos de afirmação surpresa, como Oblak ou Ederson no Benfica, mas nem eles vinham da formação nem aquilo que lhes sucedeu foi fruto de aposta consciente: a qualidade estava lá, mas só depois do impedimento dos titulares é que eles apareceram a dar um ar de sua graça. O que isto quer dizer é que, sendo a posição de guarda-redes assim tão específica – não há tática que mexa nela, porque se podemos jogar com um ou dois pontas-de-lança, com dois ou três defesas centrais, jogamos sempre com um guarda-redes e ele tem de estar preparado sob todos os pontos de vista – todos os treinadores têm muito mais cautela quando nela mexem.
Sérgio Conceição, que há dois anos até sentiu a necessidade de “picar” Casillas dando momentaneamente a baliza portista a José Sá, sabe bem disso e tem gerido o dossier Diogo Costa com a parcimónia que ele exige. Desconheço se, nos bastidores, o treinador portista pede Kevin Trapp várias vezes ao dia, mas a ideia que transparece é a de que se sente pronto a apostar no guardião que passou a época passada entre os sub20 na UEFA Youth League e a equipa B na II Liga: ainda ontem foi ele que jogou a segunda parte do jogo com o Betis, a altura do desafio em que estiveram em campo mais potenciais titulares, tendo contribuído com um par de boas defesas e posto um fim à malapata da equipa portista nos desempates por penaltis, detendo o remate de Bartra.
Diogo Costa tem correspondido, mas sobretudo poderá sair desta pré-época mais preparado do ponto de vista mental. Mais confiante, mais seguro. Isso não garante o sucesso, que vem do trabalho e da qualidade – e essa ele ainda terá de a demonstrar quando começar o futebol a sério – mas pelo menos abre as portas a esse cenário. A duas semanas da estreia na terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões, um objetivo fundamental da época, é ele quem está na pole position para segurar as redes da equipa portista. O que torna a questão da eventual contratação de um nome grande uma urgência ou uma frivolidade: se é para vir, que venha já, a tempo de conhecer a equipa e de ser opção logo no início de Agosto. Porque se vier mais próximo da Agosto, sem tempo para entrar nas contas do treinador para os jogos a sério, tudo o que vai conseguir é destruir o trabalho que está a ser feito com o miúdo.