Dietmar Hopp é o homem mais odiado do futebol alemão. Se dúvidas restassem, ficaram dissipadas no passado fim-de-semana, com adeptos de várias equipas a protestarem exaltadamente contra o proprietário do TSG Hoffenheim. O investimento levado a cabo pelo empresário no clube transformou uma equipa que nunca tinha estado na elite germânica em participante na Liga dos Campeões. Por isso mesmo, são muitos os que chamam de “imoral” e “artificial” a esta ascensão meteórica e invocam a regra dos 50+1 da ‘Bundesliga’. O clima de tensão culminou com a interrupção de duas partidas na última jornada do campeonato, tudo por culpa de insultos vindos das bancadas para Hopp.
O relógio andava a rondar os 75 minutos quando a deslocação do Bayern Munique ao terreno do Hoffenheim foi interrompida pelo árbitro, no sábado. O resultado estava em 6-0 favorável aos bávaros. A situação foi gerada por insultos e faixas que partiram dos aficionados do Bayern em relação a Hopp. Tal foi o caos que os próprios jogadores do conjunto de Munique, assim como o treinador Hans-Dieter Flick, decidiram dirigir-se aos adeptos para estes se conterem. Quando o encontro foi reatado, os atletas de ambas as equipas limitaram-se a trocar a bola entre eles até ao apito final. No domingo, o Union Berlim-VfL Wolfsburgo foi também parado devido a críticas das bancadas à empresa de Hopp, a SAP SE.
“Se eu percebesse de forma remota o que estes idiotas querem de mim, seria mais fácil de perceber. Não consigo explicar porque são tão hostis comigo, lembra-me um período negro… Falar com estas pessoas? Não quero, porque não vale a pena. Vivem num outro mundo. Não sei o que dizer. Por que razão não poderia ir mais a estádios? Quem faz isto é quem não deve ir”, reagiu Hopp após os compromissos do fim-de-semana, em declarações à Sport 1. Afinal, quem é esta figura no centro do ódio do desporto rei germânico?
A ascensão ao topo de um investidor e de um clube
Dietmar Hopp nasceu em Heidelberg a 26 de abril de 1940, filho de Emil Hopp, que foi alto ranking militar do Partido Nazi. Chegou ao estatuto de multimilionário (tem uma fortuna avaliada em 5,3 mil milhões de euros) através do mundo do software, sendo um dos fundadores da SAP SE, uma das maiores multinacionais europeias, que está relacionada com softwares corporativos para gerir operações e relações de negócios com os clientes. Hopp saiu da empresa em 2005, preservando dez por cento das ações, altura em que já só era administrador, depois de ter sido CEO (até 1998) e chairman (até 2003). Em 2006 nasceu a Dietmar Hopp Stiftung, que se dedica ao desporto, medicina e programas sociais. Diz a Forbes que já foram distribuídos 635 milhões de euros pela fundação de caridade. A Dietmar Hopp Stiftung é ainda uma das maiores investidoras da CureVAC, empresa privada que desenvolve vacinas para a gripe e para a malária.


Foi no ano de 1990 que injetou capital no Hoffenheim pela primeira vez, mas o afeto pelo futebol já estava presente há mais tempo. É que Hopp chegou a jogar nas camadas jovens do clube. No entanto, o talento nos pés não foi suficiente para que fizesse carreira nos relvados e parece que fez bem em optar por outra vida.
Como se transforma um clube modesto de uma cidade que tem menos de 3.500 habitantes (e que pertence à região de Sinsheim, com 35 mil habitantes)? A resposta é simples. Basta surgir alguém que decida investir avultadas quantias monetárias na projeção da equipa. A primeira doação que Hopp fez ao Hoffenheim foi somente de dez mil marcos, quando o clube andava pelo oitavo escalão do futebol alemão, e consistiu prioritariamente na aquisição de equipamentos, bolas e outros materiais mais essenciais à prática do desporto rei. Em 2000 chegou ao estatuto de financiador do Hoffenheim, precisamente quando o clube chegou à quarta divisão.
20 anos depois, o Hoffenheim já é um clube com presença nas competições europeias e nos lugares cimeiros da tabela alemã. Fundado em 1889, foi em 2008 que o emblema sentiu pela primeira vez a elite germânica, com a primeira presença na Bundesliga. Desde então, não mais caiu do principal escalão e conseguiu mesmo marcar presença na Champions em 2018/19. Demorou, assim, uma década a passar de conjunto da quinta divisão para a primeira. O crescimento resultou também na construção da Rhein-Neckar-Arena, estádio onde o Hoffenheim joga, inaugurado em 2009, e com uma lotação para 30.150 espectadores, pouco menos do que toda a população da região de Sinsheim.
Investimento na contratação de jogadores, construção de estádios e um centro de treinos moderno com tudo aquilo do melhor que há para a evolução de um clube. Ao todo, contam-se 350 milhões de euros injetados por Hopp no Hoffenheim, de acordo com a imprensa germânica. Por isso mesmo, o multimilionário é acusado por adeptos de outras equipas de utilizar o Hoffenheim para fazer lavagem de dinheiro, entre outros esquemas aos quais é apontado. A génese desse ódio tem por base uma regra que existe na Bundesliga, conhecida como a 50+1. De acordo com essa lei, nenhum investidor pode deter a participação maioritária num clube.
A lacuna da regra 50+1
Os adeptos são ávidos defensores dessa mesma regra, de forma a que 51 por cento da propriedade dos clubes ‘pertença’ aos sócios, para impedir o surgimento de um investidor estrangeiro a comprar uma equipa. No entanto, Hopp conseguiu beneficiar de uma exceção a essa mesma premissa, pois detém 96 por cento das ações do clube graças a uma lacuna da federação alemã que permite o aumento de poder num clube a um proprietário que esteja há mais de 20 anos nele. Existem casos semelhantes por lá, como o RB Leipzig (pertence à Red Bull), o Bayer Leverkusen (farmacêutica Bayer) e o Wolfsburgo (Volkswagen). No entanto, o facto de Hopp ser o único com maioria a título individual faz com que seja nele que se centra o ódio em terras germânicas.
Mas, engana-se quem pensa que só neste fim-de-semana é que a revolta dos adeptos se deu a conhecer. Durante a época passada, o Borussia Dortmund viu-se impedido de contar com adeptos nas deslocações por duas temporadas, para além de multas pesadas e identificação de aficionados. Isto porque foi erguido um cartaz com a cara de Hopp e insultos contra o proprietário do Hoffenheim, numa partida do Dortmund em casa durante o mês de maio. Aliás, desde 2008, ano da chegada do Hoffenheim à elite, que os adeptos do Dortmund se manifestam contra o multimilionário. Chegou a um certo nível em que o Hoffenheim decidiu instalar um sistema de altifalantes no próprio estádio, de forma a abafar os cânticos e insultos dos aficionados adversários.
Os protestos ainda continuam, tal como se verificou na jornada mais recente do campeonato alemão. Ainda assim, há quem se mantenha ao lado de Hopp, tal como o fez Karl-Heinz Rummenigge logo durante o encontro entre Hoffenheim e Bayern Munique no sábado. “Estou muito envergonhado com o comportamento deles. É indesculpável. É a parte feia do futebol. Já pedi desculpa a Dietmar Hopp. Filmámos tudo e estas pessoas serão responsabilizadas”, foram as palavras do presidente do Bayern logo após o momento que vai marcar toda a temporada e que promete não se ficar por aqui.
As redes sociais não perdoaram. Foram muitas as pessoas que recorreram ao Twitter para contestar o facto de terem sido interrompidos dois compromissos por causa de insultos ao proprietário de um clube e o mesmo não ter acontecido em casos de racismo. Recordou-se, por exemplo, o episódio de 4 de fevereiro quando o defesa Torunarigha, do Hertha Berlim, foi expulso diante do Schalke 04 após reagir a cânticos racistas ao longo do encontro. O jogo continuou, não foi alvo de interrupção, e esse é um dos motivos que contribuiu ainda mais para a atual revolta nos adeptos do desporto rei alemão.