À medida que vão aparecendo mais e mais golos de portugueses por clubes estrangeiros, mais se agrava a indesejável liderança da Liga portuguesa entre os campeonatos de topo na Europa que há mais tempo não têm um jogador nacional a sagrar-se melhor marcador. Desde a época 2002/03 – quando Simão Sabrosa terminou a competição com 18 golos ao serviço do Benfica – que um jogador português não aparece no topo da lista de melhores marcadores da competição. Na ocasião, o encarnado dividiu a distinção com o senegalês Fary Faye – embora o avançado do Beira-Mar tenha disputado menos jogos: 31 face aos 33 de Simão. Para se encontrar um goleador nacional isolado no posto, é preciso recuar ainda mais, precisamente à temporada 1995/96, quando Domingos Paciência marcou 25 vezes com a camisola do FC Porto.
O facto não é um “privilégio” português. Com as ligas recheadas de estrangeiros, é natural que o título de melhor marcador termine nas mãos – ou nos pés – de um forasteiro. Mesmo assim, campeonatos de destaque como o italiano e francês têm goleadores nacionais, assim como a Holanda e a Rússia. Espanha, Alemanha, Inglaterra, Bélgica e Ucrânia vivem períodos distintos de “seca”, mas na Europa é em Portugal que o santo da casa segue há mais tempo sem fazer milagres, ou no caso, golos.


Para o último autor do feito – de forma isolada – não se trata de falta de qualidade, mas de pressões de mercado. “As equipas têm necessidade de rentabilizar com rapidez e as promessas vão-se ainda muito jovens”, acredita Domingos Paciência, hoje treinador e pai de Gonçalo Paciência, um dos portugueses que andam a marcar golos para além das fronteiras portuguesas.
Na atual época, Gonçalo já marcou seis golos esta época pelo Eintracht Frankfurt (três na Bundesliga e outros tantos na Liga Europa), equipa onde tem concorrência lusa, a de André Silva, com dois golos. Ambos compõem um respeitável contingente português que está a mostrar serviço no exterior. Para além da máquina de golos Cristiano Ronaldo (quatro pela Juventus), há ainda Diego Jota (outros quatro pelo Wolverhampton), Bernardo Silva (mais quatro pelo Manchester City), João Félix (três pelo Atlético de Madrid) e o último a estrear-se como marcador na temporada, Rafael Leão (pelo AC Milan), entre outros.
Diego Jota, Gonçalo Paciência e João Félix de bem com os golos
Apesar da diáspora de goleadores, Domingos não é pessimista e acredita que poderemos ver novamente um português como maior marcador da liga doméstica. E ainda nesta época. Mas ressalta: como nem Benfica, FC Porto ou Sporting contam com avançados portugueses, a quebra do jejum, se vier, será mérito de um médio. “O Bruno Fernandes chegou próximo na época passada. Pizzi começou bem a temporada. Acredito que se acontecer será entre estes dois”, afirma.
Após sete jornadas, o médio do Benfica Pizzi divide a posição de melhor marcador com o cabo-verdiano Zé Luís, do FC Porto, ambos com seis golos. Bruno Fernandes vem logo atrás, na companhia do compatriota Fábio Martins, avançado da sensação da liga, o FC Famalicão, e também do maliano portista Marega e dos brasileiros Anderson Oliveira (também do FC Famalicão) e Rodrigo Pinho, do Marítimo, todos com quatro.
A Liga Portuguesa está ainda no início e vislumbra-se uma longa e difícil jornada adiante. Ainda é cedo, portanto, para saber quem será o campeão e se o jejum de um português goleador da competição será quebrado.
Há ligas que também vivem a expectativa de verem novamente um futebolista nacional no topo da “artilharia”. Em outras, os santos de casa andam a fazer milagres – e golos.


Espanha: a dura concorrência de Messi e Ronaldo
Na vizinha Espanha, onde o português Cristiano Ronaldo foi o melhor marcador em três ocasiões (2010/11, 2013/14 e 2014/15), o jejum dura desde 2007/08. O avançado Daniel Güiza, então com 28 golos pelo RCD Maiorca, foi o último espanhol no posto. Desde então, como se não bastasse a presença de Ronaldo, os espanhóis ainda tiveram a concorrência pesada do argentino Leonel Messi (principal artilheiro por seis vezes, em 2009/10, 2011/12, 2012/13, 2016/17, 2017/18 e 2018/19), e de dois uruguaios, Diego Forlán (2008/09) e Luís Suárez (2015/16), e não conseguiram furar o bloqueio internacional.


Aos 39 anos, Güiza ainda está em atividade – ou quase… – defendendo o Atlético Sanluqueño, na Segunda Divisão B. Na época passada, porém, o avançado passou longe de repetir o feito: em 20 jogos, marcou apenas quatro vezes. De volta ao escalão principal, Gerard Moreno, do Villareal, lidera a corrida, com seis golos após sete jornadas. Outro espanhol, Loren Morón (Real Bétis), vem logo atrás, com cinco, empatado com o francês Benzema, do Real Madrid, um rosto que nenhum concorrente a goleador se sente confortável em ver pelo retrovisor.
Bélgica: o goleador que morreu antes da liga terminar
Companheiro de clube de Benzema, o belga Éden Hazard, curiosamente, nunca jogou profissionalmente na Liga Belga (e sim na França, pelo Lille OSC, e na Inglaterra, pelo Chelsea). Se o tivesse feito, poderia ter contribuído para quebrar a seca por que passam os goleadores belgas na competição nacional, que assim como na Espanha dura desde 2007/08. Coube a François Sterchele a façanha, pelo modesto Germinal Beerschot, com 21 golos, numa época em que nem chegou a terminar: a uma jornada do fim, o avançado colidiu com o seu Porsche e acabou por morrer, com apenas 26 anos.


Se Hazard não teve nem a hipótese, Romeu Lukaku até tentou. Porém, o mais perto que conseguiu foi terminar como terceiro melhor marcador de 2009/10, com 14 golos, um a menos que o senegalês Ibrahim Sidibe e o camaronês Dorge Kouemaha. Na atual época, após nove jornadas, Maxime Lestiene, do Standard de Liege, tem cinco golos, dois a menos que o congolês Dieumerci Mbokani, do Royal Antwerp, e segue na briga para fazer o que nem Hazard nem Lukaku fizeram.
Alemanha: último alemão ainda tenta um lugar ao sol
Os alemães estão desde 2014/15 sem um goleador local na liga. O último a figurar como melhor marcador foi Alexander Meier, com 19 golos pelo Eintracht Frankfurt, onde jogou até 2017/18, quando se despediu com um mísero golo marcado. Meier ainda não se retirou dos relvados, mas está bem perto disto: aos 36 anos, assinou com o WS Wanderers, da Austrália, onde espera pelo início da temporada e também do Verão.


Na atual Bundesliga, Timo Werner, do RB Leipzig, tenta repetir o feito de Meier. O que não deve ser fácil. Com cinco golos em seis jornadas, tem a metade do polaco Lewandovski, que espera repetir o feito de goleador-mor pela quarta vez, após sê-lo em 2015/16, 2017/18 e 2018/19.
Inglaterra: “Brexit” difícil também no futebol
Parecia um sinal: no mesmo ano da aprovação do Brexit, a Liga Inglesa voltava a ter um goleador inglês, o avançado do Tottenham Harry Kane, com 29 golos, na temporada 2016/17. Porém, assim como na política, não está fácil para os britânicos lidarem com os estrangeiros. Desde então, Kane fez o que pôde para manter o reinado, mas o egípcio Salah e o gabonês Aubameyang impediram-no.


O avançado tenta agora outra vez. Porém, em oito jornadas é apenas o sexto na corrida, com cinco golos. Por enquanto, cabe ao compatriota Tammy Abraham, do Chelsea, com sete, a missão de disputar uma “mini guerra das Malvinas” com o argentino Kun Aguero (oito golos), do Manchester City.
Ucrânia: reforços dos trópicos
Pouco abaixo de Kane na lista de marcadores na Inglaterra está Andry Yarmolenko, do West Ham. Com três golos na Premier League, o avançado ucraniano foi o último do seu país a liderar a disputa dos golos, também na época 2016/17, pelo Dínamo de Kiev (15).
Com Yarmolenko a serviço de Sua Majestade, os ucranianos depositam a expetativa de retomarem o posto num avançado “local” nascido em… Santos, no litoral brasileiro. Júnior Moraes é o último goleador da Liga Ucraniana – marcou 19 golos pelo Shakhtar Donetsk na época passada – mas ainda atuava com o passaporte canarinho.
Agora, naturalizado, o avançado disputa o título de melhor marcador com o companheiro de equipa Marlos, também “ucraniano”, só que de São José dos Pinhais, também no Brasil. Respetivamente com oito e seis golos na liga, em oito jornadas, são seguidos de perto por Aleksandr Fillipov, do FC Desna, este sim, ucraniano de origem, com seis.
Itália, França, Holanda e Rússia em paz com seus goleadores


Parecia pouco provável, mas na primeira época de Cristiano Ronaldo na Itália, o melhor marcador foi um italiano: Fábio Quagliarella, da Sampdoria. Dois anos mais velho que o português, o avançado de 36 anos marcou 26 golos na Liga Italiana 2018/19 e manteve o título em casa, já que um ano antes a honraria ficara com Ciro Immobile, da Lazio.
A França também registou um goleador local na temporada passada, porém bem mais novo que o homónimo italiano: o avançado do PSG Mbappé, 20 anos, autor de 33 golos. Ainda mais jovem que o francês é o russo Fedor Chalov, de 19 anos, que com os 15 golos marcados pelo CSKA Moscovo foi o melhor marcador da Liga Russa em 2018/19. Nem tão novo nem tão velho, o holandês Luuk de Jong, então pelo PSV, conseguiu terminar a Liga Holandesa na frente. O avançado de 29 anos, actualmente no Sevilha FC, marcou 28 golos, ao lado do sérvio Dusan Tadic, do rival Ajax.