Uma nota emitida pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) espalhou o vírus da discórdia no Campeonato de Portugal. O comunicado do último dia 8 de Abril sepultou as competições não-profissionais devido à pandemia, avisando ainda que, posteriormente, serão indicados “os dois clubes que acedem à II Liga”, sem esclarecer sob quais critérios. A indefinição abriu uma temporada em que cada um puxa a brasa à sua sardinha entre as 16 equipas até então melhor posicionadas para o acesso via play-off, que já não deve acontecer. Se em tempos de contágio a intenção da FPF era garantir o distanciamento social, parece ter conseguido.
Diante do cenário de incerteza, dois clubes se anteciparam e autoproclamaram-se herdeiros naturais do acesso. FC Vizela e FC Arouca, respetivamente líderes nas séries A e B do Campeonato de Portugal, sustentam a tese de que por somarem maior número de pontos (60 e 58) nas 25 jornadas disputadas até então, são merecedores das vagas na II Liga.
“É o justo e é o que vai acontecer, até para que não haja guerra com ninguém”, afirma o presidente do FC Arouca, Carlos Pinho. O dirigente diz contar na sua trincheira com o apoio dos homólogos entre as 76 equipas do Campeonato de Portugal. “Tenho recebido ligações da maior parte deles, que concordam que deve ser o FC Arouca e o outro clube”, garante,
O “outro clube” em questão é o FC Vizela. “Não vale a pena falar em play–off, pois não há tempo para isto. Na minha opinião, só há uma forma de resolver o impasse, que é indicar as duas equipas que têm mais pontos”, defendeu publicamente, nas diversas entrevistas que concedeu, o presidente Diogo Godinho. “Não vai agradar a todos, mas nenhuma solução agradará”, complementa.


Líder da Série C, com 53 pontos, o Praiense sugere outro critério. O técnico da equipa, Francisco Agatão, é favorável à manutenção do play-off. “É o mais justo, pois definiria o acesso dentro de campo e manteria o clube em atividade”, resume. Entretanto, se é para escolher dois entre os quatro líderes das séries do Campeonato de Portugal, lembra que os açorianos são os que somam a maior diferença para o segundo colocado: 11 pontos, portanto, com a classificação em tese mais assegurada.


O play-off é o caminho mais justo a ser seguido também para um dos líderes da Série D, o Olhanense, que ao lado do Real SC soma 57 pontos. “Não há um primeiro mais primeiro do que outro”, filosofa o presidente da SAD do clube algarvio, Luís Torres, que diante do impeditivo de se disputar o play-off, sugere que não suba ninguém para a II Liga nem desça ninguém da mesma e fique tudo como está.
Logo abaixo de Olhanense e Real SC, em terceiro na série D, com 53 pontos, o FC Alverca lamenta a decisão da FPF de encerrar a competição com jornadas ainda a cumprir. “Penso que foi precipitado, pois o cenário da pandemia em Portugal está a abrandar e poderia esperar-se mais um pouco”, avalia Fernando Orge, presidente do clube. Segundo o dirigente, ainda é cedo para se falar em acesso, pois ele acredita que as equipas da II Liga irão mobilizar-se para não haver descidas, o que eliminaria as vagas destinadas ao Campeonato de Portugal.
Fernando Orges lembra ainda que está marcada uma reunião para o próximo dia 15 e que a entidade poderia ouvir as sugestões das agremiações antes de uma decisão que, na opinião dele, pode causar um “rombo muito grande” no planeamento.


Para o técnico do Praiense, porém, o “rombo” com o encerramento da competição é praticamente irreparável. “Não se ganha aqui os rios de dinheiro do futebol profissional”, reforça Francisco Agatão. E isto quando se recebe. Apenas um salário foi pago em 2020 – o de janeiro – e o treinador diz que funcionários e jogadores chegaram ao “limite da pobreza”. Para ele, dar continuidade ao campeonato é uma “questão de sobrevivência”. Agatão lamenta ainda a má sorte de o clube ter sido uma vítima dupla do Covid-19. “O nosso investidor é espanhol e foi internado após contrair o vírus”, conta o treinador.
Francisco Agatão lembra que o investidor em questão, Luis Oliver Albesa, teve alta no último dia 30 de Março. Resistiu, portanto, à pandemia, ao contrário do que pode acontecer ao Praiense e também a algumas outras das 76 equipas que disputam um campeonato marcado pela pandemia e, agora, também pela discórdia.