Hoje há sorteio das competições europeias e mais valia os clubes dos cinco países mais ricos terem uma espécie de cartão VIP, que lhes permitisse ir para uma sala à parte, com catering, bar aberto e talvez até entretenimento exclusivo da mais alta qualidade, porque eles são de uma realidade diferente. Tal como já tinha revelado aqui, esta é a primeira vez que os oitavos-de-final da Liga dos Campeões implicam clubes de apenas cinco países, dos cinco países que, a não ser que alguém faça alguma coisa rapidamente, vão ser cada vez mais dominadores no futebol europeu. E fazer alguma coisa, neste caso, implica perceber que esta é uma assimetria regional e não nacional, que só se resolve modificando todo o panorama de organização do futebol europeu a um nível celular.
A SuperLiga, que toda a gente agita como fantasma que vai exterminar os pobres e tornar os ricos cada vez mais ricos – e pode ser isso, também, se for imaginada com más intenções… – é a salvação. Aliás, é a única salvação, porque é a única forma de permitir que clubes de mercados hoje periféricos voltem a comer do bolo dos milhões que neste momento só chega aos sortudos que estão naqueles cinco mercados principais. Em Portugal, toda a gente afirma que, mesmo fracassando e caindo para a Liga Europa, os 50 milhões de euros que o Benfica foi buscar à Liga dos Campeões deste ano são uma benesse, uma forma de se agigantar à competitividade interna, mas esse valor representa menos de metade do que recebe o último classificado da Premier League por participar no respetivo campeonato nacional e menos de um terço do que vai buscar quem recebe mais por ali. O verdadeiro desequilíbrio está aqui, na fortuna de poder jogar os campeonatos nacionais que todo o Mundo quer ver.
Claro que, em Portugal, temos problemas muito próprios. A incapacidade da Liga para impor a centralização dos seus direitos televisivos e uma distribuição mais racional e equitativa do dinheiro gerado também provoca assimetrias internas, mas a verdade é que por mais que a Liga intervenha nessa área deparar-se-á sempre com a impossibilidade de tornar o futebol de Portugal tão atrativo a ponto de suplantar o inglês, o italiano ou o espanhol no interesse que gera em clientes da China, da Índia ou de qualquer programador televisivo dos pontos mais recônditos do Mundo. E é daí, como demonstrei acima, que vem grande parte do dinheiro. A assimetria entre os clubes que têm de jogar em Portugal – ou na Bélgica, ou na Holanda… – e aqueles que partilham o bolo televisivo e comercial de um dos mercados mais apetecíveis do futebol mundial está muito mais no dinheiro gerado pelos campeonatos nacionais do que naquilo que cada um recebe da Liga dos Campeões. Qualquer Watford ou Norwich receberá por ficar em último lugar na Premier League o equivalente a três Ligas dos Campeões para o Benfica.
É aí, portanto, que tem de ser feita a verdadeira intervenção. O que se passa neste momento no futebol europeu é a projeção à escala continental do que sucede dentro de cada país em termos de assimetrias regionais. Olhemos para os 18 participantes da Liga portuguesa. Temos cinco do distrito do Porto, outras cinco do distrito de Braga e três de Lisboa. Isto é: 72 por cento vêm de três dos 18 distritos do país, sobrando 28 por cento para os restantes e para as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Porquê? Porque sociológica, económica e politicamente é aí que se concentram as pessoas, os empregos, o dinheiro, o poder de decisão. É pouco? É. Sem dúvida. Ainda assim, de vez em quando, aparecem fenómenos como um CD Tondela, um Portimonense, um Santa Clara, um GD Chaves. Agora imaginem que se tinha persistido na realidade anterior aos anos 30 do século passado, a jogar campeonatos regionais e, no fim, como prémio, a fazer um simulacro de campeonato nacional em que os campeões de cada distrito tinham uma oportunidade de defrontar os poderosos. Teríamos competitividade? É claro que não. Porque nenhum clube do campeonato de Viseu poderia alguma vez reunir condições para competir com os poderosos do Porto ou de Lisboa, devido às tais razões políticas, sociológicas ou económicas.
No futebol europeu é igual, ainda que a uma escala muito superior – porque os dez milhões de portugueses, por exemplo, são uma minoria mas ainda são muita gente. A única forma de gerar competitividade é conduzir a realidade para aquilo que é mais saudável, é permitir a todos partilhar das mesmas fontes de receita. E isto só se consegue com a criação de uma SuperLiga europeia que seja justa, aberta e permita o acesso a todos, venham eles dos cinco países que hoje vão sentar-se na tal sala VIP ou de um Portugal qualquer que por vezes nem sabe estar à mesa com os grandes.