À medida que o tempo passa e o futebol muda e evolui, a tendência é a da acentuação da dimensão defensiva dos jogadores de ataque e da ofensiva dos jogadores defensivos. Numa quase recuperação do futebol total, aos avançados pede-se mais do que apenas marcar golos e aos defesas já não se pede apenas que os evitem. No FC Porto, talvez nenhum jogador idealize tanto esta ideia como Mehdi Taremi. Com o iraniano em campo, os Dragões estão mais próximos de marcar golos e mais longe de os sofrer.
Taremi chegou a Portugal como um furacão e veio para ficar e deixar a sua marca bem vincada na Liga portuguesa. Depois de ter sido uma das revelações da competição na temporada passada, ao serviço do Rio Ave, o avançado natural da cidade iraniana de Bushehr começa a assumir-se como uma das peças chave da equipa orientada por Sérgio Conceição. Segundo dados Goal Point, Taremi é determinante no sucesso da equipa azul e branca. Com ele em campo o FC Porto marca mais golos e sofre menos, ilustrativo da influência ofensiva e defensiva que o avançado tem na equipa do Dragão.
Já antes do contributo decisivo de Taremi para a vitória (4-1) em Famalicão, com ele em campo, o FC Porto registava uma média de 3,2 golos por cada 90 minutos, enquanto que sem ele a equipa de Sérgio Conceição observa uma média de 2,0 golos por 90 minutos. Pelo FC Porto, o avançado iraniano de 28 anos leva oito golos em 20 participações – seis deles na Liga -, aos quais junta quatro assistências – três delas na Liga. Registo sintomático da influência e capacidade de decisão no último terço. Ele já tinha sido um dos melhores marcadores da Liga na temporada passada, época de estreia em Portugal, com 18 golos, os mesmos de Pizzi e Carlos Vinícius, numa média de um golo a cada 130 minutos.
O sucesso de Taremi já tinha sido antevisto por Toni e Luís Viegas com quem conversámos em agosto de 2019. “Os iranianos são por norma conhecedores do jogo, da parte tática, e são muito profissionais, responsáveis, têm uma excelente ética”, disseram-nos então. “Em termos de aptidão para o futebol, foi visível que ela existia. Do ponto de vista do trabalho, da capacidade de trabalho, eram jogadores muito disciplinados. Recebemos sempre uma grande recetividade por parte dos jogadores em relação aos métodos de treino e exercícios táticos que lhes propúnhamos. O próprio Taremi dizia há dias que já conhecia alguns exercícios que fazia agora com Carlos Carvalhal, no Rio Ave, dos tempos que passou com Queiroz na seleção, e isso ajuda à adaptação”, afirmou Toni que orientou o Traktor, um dos principais clubes do país asiático.
À Bola Branca, Nelo Vingada também se mostrou pouco surpreendido com o impacto conseguido por Taremi no futebol português. “Fez uma época fantástica no Rio Ave”, salientou o técnico. “Era expetável que ele pudesse vir para um nível melhor”, reforçou, garantindo que Taremi é “muito forte” do ponto de vista psicológico. “Do ponto de vista técnico e psicológico, não tenho a mínima dúvida de que vai dar um rendimento alto. Não me surpreendeu aquilo que o Taremi fez no Rio Ave, surpreendeu-me sim, ele ter vindo apenas para o Rio Ave”, revelou. Nelo Vingada contou ainda que Carlos Queiroz, como selecionador do Irão, tentou que o avançado “chegasse mais cedo a um grande”. “Logo na altura, até em conversas com o Carlos Queiroz, vimos que estávamos perante um jogador com potencial e de dimensão superior para o nível do Irão, que no continente asiático é fortíssimo”, concluiu o treinador de 68 anos.
Em 2020/21 o avançado persa melhorou a média da temporada passada (vai com um golo a cada 108 minutos), bem como o total de golos após 13 jornadas: tinha cinco golos em 2019/20, vai com seis agora. E, isto, apesar de apenas ter ganho a titularidade à sétima jornada frente ao Portimonense. Desde aí, porém, Taremi marcou ou assistiu em praticamente todos os jogos que disputou – as exceções foram os desafios com o Santa Clara e o Moreirense. Sempre que marcou ou assistiu, o FC Porto venceu tendo marcado seis golos e feito duas assistências nas sete jornadas mais recentes da Liga. No ano civil de 2020, em particular, nenhum jogador marcou tantos golos na competição quantos aqueles marcados por Taremi (17). Perto do iraniano apenas Paulinho (15) e Ricardo Horta (14), ambos do SC Braga. Ao todo foram mesmo 21 golos em 40 jogos entre Rio Ave e FC Porto, durante todo o ano civil transato.
Além disto, é de notar a importância de Taremi na construção de oportunidades de golo da equipa portista. Numa capacidade singular que vem já da temporada passada, a forma de jogar do iraniano é determinante para a conquista de grandes penalidades a favor da sua equipa. Desde o início da temporada passada o iraniano já arrancou onze grandes penalidades, mais cinco do que o segundo jogador com mais castigos máximos conquistados no mesmo período – Carlos Júnior, do Santa Clara. Só esta temporada Taremi já conquistou três grandes penalidades para os Dragões na liga: à primeira jornada frente ao SC Braga e, mais recentemente, à décima, perante o Nacional, e na sexta-feira passada, em Famalicão. Além, claro, da grande penalidade conquistada frente ao Benfica na edição de 2020 da Supertaça.
Mais significativo ainda é o facto de o iraniano ser um dos jogadores da Liga Portuguesa com mais ações efetuadas no último terço do campo. Só cinco jogadores na competição efetuaram mais ações com bola dentro da área adversária, em média, por cada 90 minutos, do que Taremi. No global essa influência é ainda mais evidente: o iraniano é o décimo primeiro jogador com mais ações com bola no último terço do campo, apesar de ter menos minutos de jogo registados do que qualquer um dos adversários/companheiros de equipa. O encontro frente ao Vitória SC terá sido, porventura, a melhor ilustração do que é Taremi como jogador: além dos dois golos apontados frente, efetuou três passes para finalização, quatro passes ofensivos valiosos, quatro ações defensivas no meio campo adversário e ainda três bloqueios de passe/cruzamento – mais dados fornecidos pela GoalPoint. O iraniano é mesmo um dos jogadores da liga (Top-30) com melhor média de passes criativos por cada 90 minutos. O pai é um homem orgulhoso.
“Mehdi está melhor a cada dia. Foi menos utilizado durante um período, mas era um diagnóstico que estava a ser feito pelo treinador. Ele tem o poder de escolher a equipa e penso que pode ter percebido que a inclusão de Taremi era benéfica. Sinto que ele necessitava destes jogos para ter um melhor entendimento com os companheiros. Estou muito feliz com o seu momento” afirmou Alireza Taremi em declarações reproduzidas pelo jornal A Bola.
Com um qualidade técnica, inteligência posicional e uma capacidade de trabalho assinalável, Mehdi Taremi é um avançado completo e cada vez mais peça chave na manobra ofensiva do FC Porto. Dos 24 golos apontados pelo iraniano na liga portuguesa, 23 ocorreram em remates surgidos no interior da área, 17 com o pé direito. Pelo Rio Ave apontou ainda três golos de pé esquerdo e um de cabeça, precisamente a forma como apontou o primeiro e o mais recente golos ao serviço do FC Porto, à sétima jornada perante o Portimonense e na sexta-feira em Famalicão.
Pelo chão ou pelo ar, Taremi é uma ameaça constante. Enquadra mais de metade dos seus remates com a baliza (52.38%) – só treze jogadores têm uma eficácia superior e só Douglas Tanque remata mais em média por 90 minutos do que o avançado do FC Porto. Taremi que é ainda o jogador da Liga Portuguesa com a melhor média de toques na bola em área adversária por 90 minutos, sendo que só seis jogadores tocaram mais vezes a bola na área adversária em termos globais – lá está, todos eles com muito mais minutos disputados do que os registados por Taremi – dados WyScout.
Não é só ofensivamente que é notada a influência de Mehdi Taremi e é precisamente por isso que o avançado iraniano começa a assumir uma posição fundamental no esquema de Sérgio Conceição. Sempre que o antigo avançado do Rio Ave não jogou, o FC Porto registou uma média preocupante de 1.6 golos sofridos por 90 minutos. Com ele em campo, porém, os registos defensivos da equipa Azul e Branca retornam à normalidade de solidez a que nos habituou. Com Taremi em campo, o FC Porto sofre em média 0.8 golos por 90 minutos, indicador claro da importância que Taremi tem no equilíbrio defensivo da equipa e da forma como interpreta como poucos o trabalho defensivo exigido pelo modelo de Conceição aos seus avançados. Tanto que é, por esta altura, o avançado do FC Porto com mais desarmes efetuados na Liga e aquele que regista maior eficácia nos duelos disputados – estes últimos indicadores são dados SofaScore.
“Desengane-se quem pensa que Taremi é apenas ataque. O iraniano foi o segundo jogador com mais acções defensivas no último terço do terreno (5, correspondendo em média a 2,1 por 90 minutos), em dezembro, atrás apenas das seis de Patrick Fernandes (Farense). Mehdi é, assim, o primeiro jogador do Porto a defender e a pressionar, algo que terá contribuído certamente para que tenha ganho a preferência de Sérgio Conceição, adepto comprovado dessa abordagem”, escreveu a GoalPoint cujo algoritmo elegeu Taremi como o melhor jogador da Liga Portuguesa em dezembro.
“Globalmente, Taremi está longe de ser o melhor marcador da Liga, mas o futebol é muito mais do que apenas golos e o iraniano vai-se destacando em diversos momentos, em especial na eficácia. Se no global regista uma taxa de conversão de remates de 22%, no aproveitamento das ocasiões flagrantes é intratável, pois finalizou todos estes lances (0,6 por 90m) em golo. No remate é o jogador com melhor média por 90 minutos, nada menos que 3,6, sendo que 3,0 foram de bola corrida – segundo mais alto, atrás dos 3,1 de Andraz Sporar, do Sporting -, e ninguém enquadra mais remates que Mehdi (2,0). Pelo ar regista já 60% de duelos aéreos ofensivos ganhos, o que o torna também numa ameaça aérea. Um jogador versátil e completo”, pode ainda ler-se.
Sintomas dessa mentalidade e obstinação são encontrados nas palavras de Carlos Carvalhal, então técnico do Rio Ave. “Taremi está aqui um pouco por acidente. Não era um jogador que tivéssemos a possibilidade de conseguir [por razões financeiras]. Veio pela minha capacidade de persuasão e do André Vilas-Boas [o ex-jogador, que agora é diretor-desportivo do Rio Ave] e pela grande ajuda do Carlos Queiroz e do seu tradutor. Porque o jogador teve de abdicar de muito dinheiro para vir para o Rio Ave e para se mostrar na Europa”, afirmou Carvalhal, após a goleada imposta pelo Rio Ave ao CD Aves, na temporada passada. Não surpreende, portanto, que o agora técnico do SC Braga tenha feito de Taremi uma prioridade para esta temporada acabando por falhar a sua contratação.
Como nos disse Luís Viegas em agosto, Taremi não é certamente caso único no país iraniano. “Há por lá muitos mais. Mas muitos deles não querem sair da zona de conforto. Basta ver o caso do Omar Abdulrahman. É um jogador com um talento absurdo, mas nunca deixou o Golfo e, segundo sei, não foi por falta de ofertas. Depende da ambição do jogador. O Taremi abdicou de um salário que estaria algures entre os 80 e os 100 mil dólares mensais para jogar em Portugal. Se o jogador tiver essa ambição de jogar na Europa, então são apostas que fazem todo o sentido. No ano passado fui ver o Hwang Ui-Jo nos Jogos Asiáticos e até conseguiríamos dar-lhe um salário superior ao que ele tem no Bordéus, mas no final pesou a vontade que ele tinha de jogar na Europa. Creio que os clubes em Portugal talvez não olhem tanto para estes mercados por receio da adaptação”, disse-nos o antigo analista do True Bangkok United.
O futuro, já diz o povo, só a entidades divinas pertence. Por agora, Taremi afirma estar feliz no FC Porto e reconhece ter grandes objetivos, objetivos ambiciosos na cabeça. “O FC Porto é um clube grande e adoro estar aqui. Estou muito feliz, estou focado em ajudar a equipa e vou fazê-lo, melhorando dia após dia. Sistema tático preferido? Esta é a escolha do treinador. Jogo onde ele quiser e acho que posso fazer melhor do que neste jogo”, afirmou recentemente o jogador de 28 anos após o confronto frente ao CD Tondela, colocando o coletivo à frente do individual. “Fazer golos é o meu trabalho. A primeira coisa é ganhar o jogo para o FC Porto. A ambição é essa primeiro. Se puder marcar, é muito bom para mim”, concluiu Taremi.
“Consegui vencer o primeiro título pelo FC Porto. Era um grande sonho para mim alcançá-lo”, afirmou recentemente à imprensa iraniana. Ultrapassado este feito, o avançado dos azuis e brancos lança-se a desafios ainda mais ambiciosos: “Este foi o menor objetivo que alcancei. Tenho grandes objetivos na cabeça e espero alcançá-los com meus bons jogos”. Com Taremi em campo, o FC Porto é melhor equipa.