A mudança das medidas de coação a Rui Pinto e a notícia da colaboração do hacker com a Polícia Judiciária é uma boa notícia sob todos os pontos de vista. Porque não implica que o pirata informático deixe de responder pelos crimes que alegadamente terá cometido – acesso ilegal e chantagem – mas pode ajudar a apanhar gente presumivelmente culpada de crimes muito mais graves. E isso é tão importante que convém sermos capazes de separar as duas coisas.
Ainda no domingo passado o jornal francês L’Équipe dedicava duas páginas ao tema Rui Pinto, destacando a vontade da justiça de vários países terem o hacker como colaborador e fazendo o contraponto com o que se passava em Portugal. William Bourdon, o advogado francês de Rui Pinto, falava nessa reportagem, para lamentar que as autoridades portuguesas ainda não tivessem requerido a colaboração do seu cliente. Pedro Filipe Soares, deputado do Bloco de Esquerda, surgia também, para lembrar que “o sistema judicial português não é favorável aos delatores, mais ainda quando eles não fazem parte das organizações que expõem”. E o jornal rematava lembrando os casos em que, no desporto, a intrusão de Rui Pinto foi fulcral para a revelação de escândalos e irregularidades: abertura de um inquérito por branqueamento e fraude fiscal ao Paris Saint-Germain e a alguns dos seus jogadores; discriminação étnica no recrutamento de jovens por parte do PSG; castigo ao Manchester City por ludibriar o fair-play financeiro da UEFA; condenação de Ronaldo e Mourinho por fraude fiscal em Espanha; várias transferências fantasmas envolvendo o Real Madrid, com o intuito de branquear capitais; ou as acusações de violação de Kathryn Mayorga a Cristiano Ronaldo.
Não sou um defensor arregimentado do sistema de proteção aos delatores defendido pela União Europeia, como já expliquei aqui, porque o acho demasiado aberto, quando encoraja os delatores a divulgarem eles próprios aquilo que creem ter descoberto. Mas também não concordo com o regime português, que pura e simplesmente fecha os olhos a todas as provas inculpatórias se elas forem obtidas de uma forma irregular. Foi assim que as escutas do Apito Dourado se tornaram irrelevantes, por exemplo. Acho que ainda assim um bom compromisso é conseguir que essas provas inculpatórias sejam colocadas à disposição das autoridades – ou até dos jornalistas – em vez de serem tornadas disponíveis pelas partes interessadas. É por isso que aplaudo que toda a informação irregularmente recolhida por Rui Pinto seja agora disponibilizada à Polícia Judiciária. Porque no dia em que deixar de confiar na polícia do meu país, o caminho não é manifestar a minha desconfiança – é emigrar.
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