Quando se vive num estado de direito democrático, como é Portugal, tem-se duas opções: ou se acredita na justiça e se acatam as suas decisões, seguindo a vida, ou não se acredita, se crê que isto está tudo comprado e mais vale ir à procura de um sítio onde seja diferente para viver satisfeito. Acredito no sistema e, se o coletivo do Tribunal da Relação de Lisboa chegou à mesma conclusão da juíza Ana Peres, na primeira instância, e decidiu não levar a SAD do Benfica a julgamento no caso E-Toupeira, já acho que são juízes suficientes a decidir nesse mesmo sentido, pelo que essa deve ser a decisão correta. Mas também leio no acórdão agora redigido pelo juiz Rui Teixeira que o “crime é cometido em nome da Benfica SAD e no interesse da Benfica SAD”. Portanto, o que está em causa não é apurar se houve tentativa de obtenção de favorecimento ilícito – é, isso sim, apurar se o Benfica e a sua administração sabiam disso.
No fundo, a administração liderada por Luís Filipe Vieira não canta vitória por serem já quatro os juízes a negar que o Benfica tenha tirado proveitos dos crimes que o Ministério Público tenta dar como provados no caso E-Toupeira. O Benfica canta vitória porque ninguém prova que a sua administração soubesse o que o assessor jurídico Paulo Gonçalves andava a fazer e porque, com esta decisão, ficam impossibilitados castigos futuros na justiça desportiva. Ou seja: aquilo que os benfiquistas celebram é, ao mesmo tempo, a confirmação de inocência mas também de incompetência dos homens que comandam o futebol do clube. Porque seria incumbência deles terem ao menos um pingo de conhecimento das atividades do principal responsável pela área jurídica da SAD, que ainda por cima tem “gabinete no mesmo corredor” que o presidente, conforme escreve também Rui Teixeira.
No fundo, a vitória do Benfica tem laivos daquela que também o FC Porto cantou quando o tribunal reverteu a decisão que a justiça desportiva tomara anteriormente no caso Apito Dourado, levando à absolvição do clube e do seu presidente, Pinto da Costa, e à anulação dos castigos que tinham sido decretados pela Comissão Disciplinar da Liga – seis pontos de penalização, 150 mil euros de multa e dois anos de suspensão a Pinto da Costa. Se quisesse usar sentido de humor, Vieira até podia agora decalcar, substituindo o sujeito, as afirmações nessa altura proferidas pelo presidente portista à newsletter Dragões Diário: “A decisão que hoje conhecemos é uma derrota para todos os pseudo-justiceiros que, à margem da legalidade, mas sobretudo da decência, procuraram denegrir a imagem do FC Porto e de todos os que o servem, colocando em causa o mérito desportivo”. Podia dizê-lo assim mesmo, ipsis-verbis, substituindo FC Porto por Benfica.
Acontece que casos destes não convidam ao uso do humor, porque da mesma forma que o FC Porto ficou com a imagem manchada, até internacionalmente, pelo caso Apito Dourado, o Benfica vai ser perseguido pela perceção que o português comum tem do caso E-Toupeira. Se o Tribunal da Relação de Lisboa acha que a Benfica SAD não tem de ser julgada, repito, é porque certamente, à luz da lei, não há razões para tal. Mas nada disso deve ser suficiente para que quem quer que seja cante vitória. Porque, seja qual for a decisão dos juízes neste e noutros processos, os adeptos de futebol vão continuar a atirar uns aos outros acusações com referência ao Apito Dourado, à fruta e ao café com leite, mas também a toupeiras, vouchers e outros que tais. O que isso confirma é que cada vez menos pessoas acreditam no futebol e na vida – passaram a acusar os juízes como já há muito acusam os árbitros e isso, somado ao preço dos bilhetes ou aos horários inconvenientes, é um dos argumentos para que cada vez haja menos gente a ver a bola.