Iker Casillas confirmou ontem que vai mesmo apresentar-se como adversário de Luís Rubiales nas próximas eleições da Real Federação Espanhola de Futebol e tenciona fazê-lo como rosto da luta contra o compadrio e o desvio sistemático de fundos que foi revelado pela Operação Soule e que custou o lugar a Angel Maria Villar, uma espécie de presidente vitalício que já dominava não só o futebol espanhol como os corredores e gabinetes da FIFA. Ontem mesmo, o ex-guarda-redes do FC Porto enviou uma mensagem de Whatsapp aos 19 presidentes das associações regionais, a anunciar a decisão e a disponibilizar-se para o diálogo sobre o que quer para o futebol espanhol, mas é previsível que venha a precisar de muito mais do que isso para convencer a Assembleia de 139 votantes a apoiá-lo de forma maioritária. Porque é possível que queiram coisas diferentes.
À partida, a chegada de grandes jogadores a lugares de comando nas instâncias que regem o futebol deveria ter uma grande vantagem: é que eles não vão para lá para roubar nem para se tornarem conhecidos. Claro que houve exceções. E claro que haverá também uma certa componente de vaidade na intenção de Casillas, mas é difícil separá-la da natural sensação de orgulho por ver reconhecido um trabalho bem feito. No fundo, ao querer ser presidente da RFEF, Casillas luta contra a passagem à categoria de “ex” que tanto assusta os jogadores de topo. A questão é a de perceber se o futebol espanhol pode ganhar com isso. E se em termos de transparência e profissionalismo não há dúvidas – por isso mesmo Casillas terá a seu lado a Liga de Javier Tebas, o Sindicato dos Jogadores e algumas das estrelas com as quais se sagrou campeão mundial – já no que toca ao sucesso internacional as coisas são mais complicadas. Porque embora não pertencesse a ele, Rubiales manteve em funcionamento o “sistema Villar”. E não duvidemos que o sucesso da Espanha nas grandes competições ficou a dever tanto ao bom futebol e à escola do “toca e passa” como à rede de contactos montada pelo ex-líder da RFEF.
Quem é, afinal, Rubiales? A grande diferença entre o atual presidente da federação e Iker Casillas é que os adeptos de futebol fora de Espanha têm de lhe googlar o nome para saber que ele foi jogador – modesto, é certo – na UD Levante, antes de ascender à cadeira de mando no futebol espanhol, na sequência da razia que as autoridades judiciais fizeram na direção anterior. “Pundonor Rubiales” era o que lhe chamavam, devido ao espírito de sacrifício que o fez lutar contra várias lesões nos joelhos. Na alta roda, Casillas pode fazer-se fotografar – como fez, ainda recentemente – ao lado de Puyol ou Iniesta, simbolizando que tem com ele não só o madridismo como também o mais profundo sentimento culé, que Rubiales aparece montado no Rocinante que é o aparelho federativo, ainda por desmontar. É por isso, para evitar esse desmantelamento, que o atual presidente quer antecipar as eleições – que em ano olímpico deveriam ser no segundo semestre – e Casillas prefere tempo para trabalhar a candidatura.
Não lhe será difícil convencer os votantes de que, sem Villar, o villarismo deixará de ter efeitos no impacto espanhol nas instâncias internacionais. Mas terá de suar para lhes fazer perceber que também se acabarão os benefícios. É essa a grande luta de Iker Casillas para os tempos mais próximos: convencer um aparelho à antiga de que o adversário é um homem honesto e que, assim sendo, mais vale deixarem de o apoiar em nome da modernidade.
Comentários 1