Calvert-Lewin é um dos rostos mais marcantes deste início de temporada na Premier League, o avançado mais rápido a chegar aos dois dígitos de golos numa das Big-5 em 2020/21. O atacante vinha a ganhar preponderância na equipa do Everton, mas a ascensão meteórica que protagonizou desde a chegada de Carlo Ancelotti ao clube já o catapultou para outros voos, inclusive a seleção inglesa. Os dez golos em sete jogos nesta época (sete em cinco partidas na Premier League) têm contribuído para o arranque sensação dos toffees, que comandam o campeonato sem qualquer derrota e que hoje (14h) podem voltar a isolar-se, desde que não percam em Southampton. Entre recordes e elogios, o jogo de cabeça tem sido a principal arma deste atacante de 23 anos, havendo mesmo quem o compare com Cristiano Ronaldo neste capítulo, devido ao quão letal é nos cabeceamentos e na elevação na área adversária. Pelo meio, Calvert-Lewin tem estudado Filippo Inzaghi, ex-pupilo de Carlo Ancelotti que tantas alegrias deu ao treinador e ao qual Lewin cada vez mais se assemelha no estilo de jogo.
“O desenvolvimento do Calvert-Lewin tem sido muito impressionante. Ele transformou-se num avançado completo. Lembro-me que quando cheguei aqui ele não era nada como o jogador que é hoje. Isso deve-se ao trabalho que tem feito. Está no ginásio todos os dias, sempre a aperfeiçoar a finalização. E a jogar treinado pelo Ancelotti vai continuar a melhorar. Teve um começo de época soberbo e sem dúvida de que mereceu a chamada à seleção inglesa. Deve ser um pesadelo defrontá-lo, porque ele tem uma capacidade de salto incrível, como o Cristiano Ronaldo.” As palavras, proferidas em entrevista ao site da FIFA, são de Richarlison, colega de equipa de Calvert-Lewin, que muitas vezes até tinha sido o centro das atenções no ataque do Everton, ao invés do que acontece neste momento.
Esta faceta voadora que é reconhecida a Calvert-Lewin já resultou na maioria dos golos que leva na Premier League. Quatro dos sete remates certeiros para o fundo das redes nesta Premier League foram marcados de cabeça. Para além disso, é também o segundo jogador com mais cabeceamentos tentados (oito) na competição, apenas abaixo de Mitrovic (onze), avançado do Fulham FC. O golo que apontou para o empate (2-2) no dérbi com o Liverpool FC, no passado fim de semana, ficou na retina de todos, pelo salto que deu na preparação do cabeceamento certeiro. Ainda assim, apesar de este ser o seu ponto forte, nem só de cabeça são feitos os golos deste atacante.


Para que se perceba a evolução e completa afirmação que Calvert-Lewin está a ter, esta é a primeira temporada em que o atacante supera os golos expectáveis que lhe eram apontados. Tal como é observável na imagem abaixo, os sete golos que já soma no campeonato estão acima dos 5,04 de xG na previsão do Understat. Nos restantes anos tem ficado abaixo da marca: 13 golos em 2019/20 quando tinha 16,11 de golos expectáveis; seis golos em 2018/19 com 6,17 de xG; quatro golos em 2017/18 com 5,44 de xG; um golo em 2016/17 com 1,25 de xG. A certeza finalizadora acima do esperado nesta época levou-o até a um registo que há muito não se via: Calvert-Lewin é o primeiro jogador do Everton a marcar em todas as cinco jornadas iniciais da Liga Inglesa desde Tommy Lawton em 1938/39.


O mentor Ancelotti e Inzaghi como objeto de estudo
É impossível negar a preponderância de Carlo Ancelotti para a evolução de Calvert-Lewin. Desde que o técnico italiano pegou no Everton, a 22 de dezembro de 2019, apenas Aubameyang tem mais golos marcados (18) do que Lewin na Premier League. O atacante de 23 anos apontou 17 golos nesse período, tantos como Vardy (Leicester City). Carleto tem passado conhecimento sobre o posicionamento adequado dentro da área adversária (e nesta época Calvert-Lewin tem pisado muito mais a área do que em campanhas anteriores…) e a finalização ao primeiro toque. Muita dessa sabedoria tem chegado através de vídeos de Fillipo Inzaghi, antigo internacional italiano que muitas alegrias deu a Ancelotti no Milan. O treinador colocou Calvert-Lewin a estudar imagens da lenda de Milão para aprender a tornar-se num ponta de lança mais letal no momento da decisão.
“O Carlo Ancelotti teve uma influência positiva em mim, sem dúvida. Antes, eu era culpado por fazer muito do meu melhor trabalho longe da baliza adversária e agora estou focado em colocar a bola no fundo das redes. A analogia do Carlo [com Inzaghi] – não é para dizer que sou uma cópia total do Inzaghi, mas se há elementos do jogo dele que tenho mostrado são as finalizações de primeiro toque e o estar no sítio certo à hora certa”, confidenciava Calvert-Lewin, em declarações reproduzidas pelo portal Goal.


Esta dimensão que ganhou com Ancelotti não passou despercebida aos olhos dos analistas. “Ao falar com adeptos do Everton durante os últimos dois ou três anos havia sempre aquela sensação de que ‘ele não é bom o suficiente, precisamos de contratar alguém’. Mas, de repente, apareceu um treinador [Ancelotti] que consegue prestações dele que são 20 ou 30 por cento superiores às que os antigos técnicos conseguiram”, considerou Gary Neville, a comentar no seu próprio podcast. “Dá que pensar o que seria se o próximo treinador não optasse pelo Calvert-Lewin, ou não tivesse a mesma qualidade que o Ancelotti. O Calvert-Lewin está a prosperar sob o comando do Ancelotti. Parece um jogador de topo. E com os jogos pela seleção, ele convenceu o seu próprio povo – algo que deves fazer enquanto jovem jogador”, salientou ainda o antigo internacional inglês e figura histórica do Manchester United.
Este arranque de época avassalador valeu a Calvert-Lewin a primeira internacionalização pela seleção inglesa. O jogador do Everton foi chamado por Gareth Southgate para os compromissos de outubro da Inglaterra e não podia pedir melhor estreia: jogou de início no particular contra o País de Gales e fez um golo logo no primeiro encontro pela seleção principal dos três leões. Depois disso foi ainda a jogo nos duelos com Bélgica e Dinamarca, esses a contar para a Liga das Nações. É curioso que tenha tido de esperar até aos 23 anos para ter a primeira internacionalização, quando teve um passado tão rico nas seleções jovens. Foi o avançado dos toffees que marcou o golo que deu o Campeonato do Mundo de Sub-20 à Inglaterra, em 2017: os ingleses venceram a Venezuela por 1-0 na final.
Ainda assim, o próprio reconhece que aos 20 anos ainda não estava preparado para aquilo que a elite do futebol inglês acarretava. “Eu sabia o que precisava de fazer para dar esse passo em frente, que basicamente era marcar golos e jogar com maior consistência. Tens forças da natureza que aparecem e chegam logo lá [à seleção principal]. Reconheço que aos 20, 21 anos, ainda não estava preparado, mas nunca parei de acreditar que conseguiria chegar aqui, a partir da ética de trabalho e do treino correto”, partilhou o jogador do momento em Inglaterra.
Uma mudança de posição e de Sheffield até Liverpool
Natural de Sheffield, Calvert-Lewin foi contratado pelo Everton precisamente ao Sheffield United em 2016/17, a troco de 1,8 milhões de euros (hoje tem um valor de mercado de 40 milhões de euros, de acordo com o portal Transfermakt). David Unsworth, diretor da academia do Everton, foi quem teve maior responsabilidade na aquisição do avançado e considera mesmo Calvert-Lewin “o número nove perfeito”. Ainda surpreendido por ter conseguido este atacante pela quantia que foi, o dirigente dos toffees vê um teto cada vez mais alto para o jogador. “São muitas as coisas que podem fazer dele ainda melhor. Espero que marque 20 golos nesta temporada e em todas depois desta. É o número nove perfeito e está a transpirar confiança”, referiu Unsworth em declarações à BBC.
“O que me chamou logo a atenção foi o trabalho de ginásio dele. Estávamos lá noites dentro e o poder de salto dele era o melhor que tinha visto. Fazia muitos agachamentos e saltos a uma altura incrível para cima de caixas de madeira. Ele tinha alguns problemas de crescimento – as pernas estavam a crescer a um ritmo diferente do resto do corpo – mas nessa primeira vez que o vi pensei ‘uau, está ali um atleta incrível’”, contou ainda Unsworth, que reparou em Calvert-Lewin quando este tinha somente 15 anos.


Não foi fácil a vida de Calvert-Lewin num Sheffield United que em 2014 estava no terceiro escalão inglês. O jogador não estava a ter as oportunidades e minutos que acreditava merecer e por isso mesmo traçou um plano, conjuntamente com Nick Cox – antigo diretor da academia do Sheffield -, de forma a chegar à primeira equipa. “Chegámos a um ponto em que as expetativas dele estavam acima das oportunidades que lhe eram dadas. Ele via o futebol dos Sub-16 e Sub-18 como fácil demais e, ainda por cima sendo um jovem local, estava desesperado para chegar ao plantel principal”, referiu Cox, que agora dirige a academia do Manchester United, em declarações à BBC Sport. Esse plano passou por uma mudança de posição… É que até aí Calvert-Lewin jogava como ‘oito’, mas foi então que experimentou como seria a avançado. Foi nessa posição e depois de alguns empréstimos a clubes mais modestos, que Unsworth viu um “diamante” por lapidar e decidiu levá-lo para Goodison Park.
No entanto, os primeiros anos de Everton não foram o conto de fadas esperado. Em 2016/17 até fez mais jogos pelos Sub-23 (12) do que pela equipa principal (11) dos toffees. Na temporada seguinte já teve mais oportunidades: 44 encontros e 24 deles como titular. Ainda assim, não era uma aposta consistente nas passagens de Ronald Koeman, Sam Allardyce e Marco Silva pelo clube, principalmente por jogar mais a partir de uma linha e não no centro no terreno. Por isso mesmo, também falhou em suceder logo a Lukaku como homem-golo, quando o belga foi vendido ao Manchester United. Duncan Ferguson foi o catalisador da mudança, quando serviu de interino entre a saída de Marco Silva e a chegada de Carlo Ancelotti e colocou o Everton a jogar em 4x4x2 com Richarlison a servir de suporte a Calvert-Lewin. Agora, com Ancelotti, e ainda para mais com a aquisição de James Rodríguez, o inglês tem mais do que assistência necessária para o vendaval de golos que tem levado a cabo em Inglaterra.
Comentários 1