Diz o povo que “quem tem cu tem medo”. A este aforismo pleno de sabedoria, juntou Béla Guttmann um dia que o Benfica só tinha “um rabo” mas pediam-lhe que se sentasse em “três cadeiras”. O futebol está hoje muito menos popularucho, pelo que, na sequência da derrota em casa com RB Leipzig, na estreia da Liga dos Campeões, Bruno Lage não deu ‘soundbytes’ tão engraçados quando explicou as ausências de Rafa, Seferovic e André Almeida no onze titular. As justificações são válidas, têm a ver com treino, ritmo e recuperação, mas a ideia que fica é que o treinador do Benfica não teve medo – e se calhar devia ter tido assim apenas um bocadinho… – e escolheu a cadeira errada.
Os spinners já começaram na semana passada a falar do “vírus FIFA”. O vírus FIFA é algo que acomete as equipas – especialmente as portuguesas – nas jornadas a seguir ao período de interrupção dos campeonatos para se jogarem as partidas das seleções nacionais. Se está curioso, deixe-se ficar à espera, que lá para Outubro há novo período de incubação. Ora, de acordo com Bruno Lage, Rafa, por exemplo, não foi titular ontem porque “esteve quinze dias sem fazer praticamente nada”, uma vez que os passou nos treinos da seleção e só entrou em campo na ponta final do jogo na Lituânia. A questão tem a ver com recuperação, depois do esforço a que o jogador foi submetido frente ao Gil Vicente, e com a maior dificuldade que isso implica após um período de alguma inatividade, se comparado, por exemplo, com o que se pediu a Rúben Dias, que durante a interrupção das competições de clubes somou dois jogos completos pela seleção nacional.
Não contesto a tese de Lage, que é evidente que está suportada em evidências científicas e na prática de muitos anos. O que me parece é que, se os jogadores também só têm um rabo e havia duas cadeiras para ocupar, o sensato teria sido guardar os melhores para a cadeira mais exigente. Apresentar o onze de gala num jogo com o Gil Vicente, que depois foi passado maioritariamente em gestão física, com o subconsciente já a pensar no RB Leipzig, e depois deixá-los de fora na partida caseira contra o líder da Bundesliga, o mais forte adversário do grupo na Liga dos Campeões e uma equipa com muito mais andamento competitivo do que qualquer outra que o Benfica já tinha enfrentado desde que Bruno Lage chegou ao comando do plantel, pareceu-me um erro de apreciação que pode custar caro.
Nem falo aqui de André Almeida, porque Tomás Tavares foi irrepreensível e mostrou que pode ser solução a muito breve prazo, mas a forma como tanto Rafa como Seferovic entraram no jogo parece dar a entender que este poderia ter sido diferente com eles desde o primeiro minuto. Não porque os seus substitutos tenham estado mal – Jota mostrou qualidade em algumas arrancadas e, com os habituais problemas de definição, Cervi foi defensivamente competente – mas porque uma coisa são as primeiras escolhas e outra são os seus duplos. E ainda porque, desprezando o tal aforismo popular que recordei no início do texto, Lage não teve medo de mudar, mas além de mudar nomes mudou rotinas e, com isso, a equipa sofreu para encontrar a sua identidade.
Aos encarnados colocam-se agora vários desafios. Há jogo em Moreira de Cónegos, já no sábado, seguido, com quatro e três dias de intervalo, das receções aos dois Vitórias – primeiro o de Guimarães para a Taça da Liga, depois o de Setúbal para o campeonato. E depois há três dias para recuperar e, sem “vírus FIFA” a chatear, a deslocação a São Petersburgo para jogar com o Zenit, naquele que a derrota de ontem tornou um jogo fundamental para as aspirações do Benfica na Liga dos Campeões. É uma cadeira em que convém mesmo sentar o traseiro com todo o peso possível.