O facto de não haver uma única mensagem enviada por ou para Bruno de Carvalho nos grupos de whatsapp criados para combinar a invasão dos encapuçados à Academia de Alcochete não me surpreende. Aliás, a não ser que apareça aí alguma coisa que ainda não tenha transpirado para o espaço mediático, tenho muitas dúvidas de que a acusação reúna provas capazes de condenar o ex-presidente sportinguista seja do que for. Porque toda a persona do Bruno de Carvalho-presidente se foi baseando na compreensão da reação das multidões nestes tempos de medo e ódio pela diferença e na manifestação de superioridade moral face aos defeitos mundanos de quem não pertence ao grupo, mas o ex-líder leonino nunca sistematizou o seu pensamento a ponto de podermos estabelecer um nexo de causalidade. E isso, aos olhos da lei, faz dele inocente. Perigoso, mas inocente. Tão inocente que ainda não percebi por que razão é réu neste julgamento.
Não conheço o cidadão Bruno de Carvalho e não sei como ele é na intimidade, se é diferente da figura pública, mas a lógica populista e maniqueísta do Bruno de Carvalho-presidente é a mesma de um Donald Trump ou, para usar um exemplo nacional e recente, de um André Ventura. Identifica-se o “mal”, fazem-se discursos com referências aos defeitos que andam de braço dado com o “mal”, estabelecem-se uns exemplos positivos de quem é prejudicado por esse “mal” e por isso merecedor de solidariedade de quem está do lado do “bem” e, com isso, fortalece-se a união entre os que rejeitam esse “mal” e cimenta-se a liderança dos que defendem o “bem”. Bruno de Carvalho sabia que a sua liderança se alimentava de ódios e que, ao estimulá-los, estava a contribuir para a união de quem os rejeita, mas nunca lhe li ou ouviram palavras a defender o ataque físico a jornalistas, benfiquistas, portistas ou jogadores que não davam tudo o que tinham pelo emblema que tinham na camisola e, por isso, não venciam. Da mesma forma que André Ventura instiga o medo dos ciganos, mas nunca poderá ser criminalmente responsabilizado se um dia um grupo de cidadãos, mesmo que inspirados pelo que ouvem da boca dele, perderem a cabeça e os atacarem.
O legado de Bruno de Carvalho no Sporting começou por ser um fortalecimento interior e uma união dos adeptos do clube, que era salutar, mas acabou por extravasar para o ódio a tudo o que era diferente, muitas vezes com recurso à propagação da palavra por meios oficiosos – que também são usados por Benfica e FC Porto, diga-se. Estimulava-se o ódio aos adeptos dos clubes rivais, que nem mereciam a referência à designação correta – o Benfica era muitas vezes o “Carnide”. Estimulava-se o ódio aos jornalistas, que ou estavam de acordo com a linha dominante ou eram tidos como cobardes com medo de perder privilégios ou como avençados dos rivais. Estimulava-se o ódio aos dirigentes anteriores, os “croquetes”, como se a presença na Tribuna VIP lhes matasse a fome. Estimulou-se, por fim, o ódio aos jogadores, desde o momento em que não jogaram bem em Madrid até ao cúmulo que foi perderem o acesso à Champions na Madeira. É por isso que o Sporting está hoje tão dividido, entre os que são fiéis à liderança anterior e até em erros de panfletos digitais a anunciar jogos encontram razões para justificar o regresso ao “brunismo” e os que não se revendo nessa liderança de ódios, querem seguir em frente, mesmo que para isso tenham de suportar alguma incompetência nas decisões.
É desta divisão – mas até que me provem o contrário creio que só da divisão – que Bruno de Carvalho é culpado. E ainda não há tribunais para julgar populistas, por mais cretinices que eles digam.