Os adeptos de futebol reagem muitas vezes, já se sabe, como adeptos de futebol. E mesmo numa altura em que o futebol de alto nível se transformou num negócio, são incapazes de olhar para ele pelo prisma da frieza empresarial. É por isso que o anúncio da intenção que o Benfica revelou de comprar todas as ações que puder da sua SAD a um preço muito superior à cotação em bolsa pode até ser visto por muitos como uma medida tendente a evitar que o futebol do clube venha a cair nas mãos de um capitalista exterior. A questão é que isso nunca esteve em causa, pois o clube já tem mais de dois terços do capital. Ora, assim sendo, a não ser que o caso seja muito bem explicadinho por Luís Filipe Vieira, o que está aqui em causa é o desbaratar de dinheiro da “instituição”, como o presidente tantas vezes lhe chamou, para satisfazer interesses pouco claros.
Diz o prospeto preliminar desta Oferta Pública de Aquisição – que pretende comprar a cinco euros ações que estava cotadas a pouco mais de metade desse valor – que o propósito é “assegurar que os acionistas que adquiriram as ações em 2001 possam vendê-las a um preço semelhante” àquele a que as subscreveram. Como estamos a falar de pequenos acionistas individuais, que não têm assim tantas ações e as subscreveram para ficarem ligados ao momento histórico do seu clube do coração, tudo podia parecer até romântico, um ato de gratidão que começa a rarear e fica bem no futebol moderno. Só que nem tudo é tão linear. Primeiro, porque esses são aqueles que, a não ser em casos de extrema necessidade, não vão vender mesmo, nem a cinco nem a dez euros. Depois, porque, mesmo estando proibidos de vencer as ações agora, os membros dos órgãos sociais asseguram que poderão desfazer-se delas a este preço quando saírem – o que, por exemplo, garante a Vieira mais de 3,5 milhões de euros se ele assim o entender, no momento em que deixar de dirigir o clube e a SAD. Por fim, porque quem mais pode ganhar com tudo isto são os grandes acionistas que entraram entretanto, que compraram em baixa e podem agora vender em alta.
Empresários como José António dos Santos, José Guilherme ou Joaquim Oliveira asseguram, se quiserem, margens de lucro proibitivas com esta operação. E as perguntas às quais, em nome da transparência, convinha que Luís Filipe Vieira respondesse são: para quê? Qual é a necessidade que o Benfica tem de comprar estas ações, se já domina o capital e o poder de decisão da SAD? Qual é o benefício que vai retirar desta medida? O clube tem dinheiro a sobrar? Mas, se tem, o objetivo anunciado não era abater o passivo? O clube, a SAD ou os seus dirigentes retiram, agora ou no futuro, algum benefício do facto de estarem a dar tanto dinheiro a ganhar a empresários que fazem parte do seu espectro acionista? Enquanto estas perguntas não forem respondidas de forma clara e assertiva, esta operação continuará a estar envolvida num manto de suspeição que não interessa ao bom nome do Benfica.