A norma que a FIFA vai fazer passar para impedir as transferências-ponte numa mesma janela de mercado é uma boa notícia, sobretudo porque é um sinal em sentido contrário ao do mercantilismo selvagem que chega a transformar o futebol num sistema de tráfego de carne humana. Mas não podemos ser demasiado otimistas, porque tudo aquilo a que esta proibição vai conduzir é a uma reavaliação de estratégia dos clubes-entreposto, que passarão a ter um custo acrescido: o do estacionamento de jogadores por seis meses, seja em casa ou em subsidiárias pouco claras. Por isso, não chega. É preciso ir mais longe.
Qual é o panorama atual? Há uma vontade grande da FIFA e das diferentes Federações e Ligas na proibição do TPO, o Third Party Ownership, que é como quem diz, a detenção do passe de um jogador por terceiras partes, sejam empresários ou fundos de investimento. Mas isso não quer dizer que esse problema tenha sido erradicado. Basta um empresário ou um fundo de investimento ser dono de um clube para poder continuar a sua atividade mercantil para lá do que as entidades que mandam no futebol considera digno. Foi assim que, desde que Juan Figger inventou esse modelo, nos anos 80 do século passado, surgiram os clubes-entreposto – clubes que serviam apenas para comprar e vender jogadores ao serviço de um determinado empresário ou grupo empresarial, menorizando o aspeto competitivo. Alguns, aliás, nem nas primeiras divisões dos seus países estão.
Neste momento, as coisas são muito mais sofisticadas do que eram no momento em que Figger comprou o Central Español, da terceira divisão uruguaia, por movimentar jogadores para a Europa em situações vantajosas. Há clubes que aproveitam a sua marca para valorizar jogadores, que compram e vendem em ato contínuo, como o Benfica fez recentemente com Yoni. Há fundos de investimento que compram clubes e depois fazem transferências pouco claras entre eles, como sucedeu no último verão com Rafael Leão, que saiu do Lille OSC para o Milan, dois clubes onde o Elliot Management Corporation tem uma posição dominante. E há empresários que se servem das relações privilegiadas que têm com diversos clubes para estabelecerem um esquema de carrossel internacional, que vai fazendo jogadores circular entre eles, gerando mais-valias a cada movimentação, como sucede com parte dos negócios feitos por Jorge Mendes. Ora esta medida da FIFA só vem dificultar o primeiro destes expedientes. Os outros continuam a ser legais.
E mesmo a compra para vender só a dificulta. Não a impede. Torna-a, acima de tudo, mais dispendiosa, porque obriga a juntar ao custo da operação os seis meses de estacionamento do jogador, durante os quais é preciso pagar-lhe salários. No fundo, equipara estes negócios aos que os clubes fazem quando contratam um jogador promissor, que ainda não tem lugar na sua equipa principal, e o testam na formação secundária. Como alguns destes jogadores não têm estatuto para a equipa B, pode acontecer uma de duas coisas. Ou ficam no plantel principal, a receber e sem jogar, até poderem ser transferidos com ganho – que assim será menor, não só porque os custos são maiores mas também porque a inatividade lhes baixará o valor – ou, o que é mais provável, a alteração vai incentivar a criação de clubes-satélite não assumidos, onde os jogadores possam ser estacionados. E isto é que ajuda ainda menos à verdade desportiva que todos queremos.
Impressionante que escreva este texto sem se referir áquela organização criminosa disfarçada de clube de futebol