O ato de comandar uma equipa de futebol de alto rendimento, que tem jogadores, dirigentes e adeptos encartados, está rodeado de múltiplas variáveis que, se misturadas com o piri-piri que são sempre as emoções de Sérgio Conceição, sobretudo em dias de derrota, tem todas as condições para resultar num cocktail explosivo e picante. O treinador do FC Porto pode até estar coberto de razão para dizer o que disse depois de perder com o SC Braga, na final da Taça da Liga, mas tudo indica que dificilmente o efeito das suas declarações fraturantes será positivo. É que, sendo Sérgio Conceição quem é, é improvável que aquele discurso tenha sido pensado para ter uma determinada reação, seja de dirigentes, jogadores ou adeptos, mas sim fruto das emoções recalcadas pelo cargo e libertadas no momento da derrota, com um golo no último minuto da compensação.
O que está a complicar as coisas não é sequer o facto de Sérgio Conceição ter colocado o lugar à disposição do presidente. Isso resolvia-se. O treinador fica insatisfeito com um determinado curso de eventos, coloca o lugar à disposição do presidente, que por sua vez, seja por saber disso ou apenas para reforçar a sua confiança na equipa e nos treinadores, baixa ao balneário, transmite isso mesmo a todos e ainda se deixa filmar pelos canais de televisão que estavam ali em direto a sair com o técnico e o diretor-geral do futebol em direção à zona onde estava o autocarro a equipa. Problema resolvido. Só que Sérgio foi mais longe e falou em “falta de união no clube”. “E não estou a falar do grupo de trabalho”, explicitou. Esticou-se e isso muda tudo, porque leva o ónus da crise para outros patamares e exige uma explicação. Quem é que está a promover essa desunião? A estrutura de futebol, liderada por Luís Gonçalves? Os adeptos organizados, liderados por Fernando Madureira, que dificilmente diz duas frases no espaço-público sem ter a benesse do presidente? Os adeptos ilustres, que falam aos jornais e às televisões, mas nos quais é obviamente impossível ter mão?
Seja qual for a resposta, este acrescento ao discurso de Sérgio Conceição já exige mais e não permite que se siga para bingo como se nada tivesse acontecido, com um comunicado feito pela estrutura de comunicação e dado à estampa na newsletter digital do clube. Querendo – e ontem até foi ao estádio ver a equipa B, tendo por isso a oportunidade de o fazer – Pinto da Costa podia ter sacado da sua “costumeira ironia” para sacudir o problema e afastar as nuvens de mau-tempo. Se o não fez, ou foi porque não quis ou porque achou que não teria facilidade em conseguir os efeitos desejados – é que havia sempre a possibilidade de as perguntas serem incómodas. Em resultado desta inação, o pipo continua a girar na panela de pressão, que volta ao lume amanhã, no jogo com o Gil Vicente, onde o mínimo percalço pode redundar em explosão. E, mesmo tendo o condão de devolver a equipa à diferença de sete pontos para o Benfica que tinha antes da Taça da Liga, mas com um sucesso a afagar-lhe o ego, mesmo uma eventual vitória só terá reflexo no semblante do treinador no momento em que encarar os jornalistas, após a partida.
Porque a questão de fundo – a “desunião” – vai continuar lá, provavelmente até ao momento em que a equipa volte a estar na frente da classificação ou erga um troféu.