Há momentos na vida em que somos colocados em encruzilhadas e precisamos de fazer escolhas. Tem sido repetidamente assim com Jorge Jesus e, não, para que conste, ele não fez sempre as escolhas certas – ou pelo menos nem todas redundaram em sucesso no final. Ganha a Libertadores e conquistado o Brasileirão, dois sinais de um sucesso indiscutível no Flamengo, resta-lhe o Mundial de clubes, antes de o treinador português que é agora nome da moda no Brasil ser forçado a nova escolha. Porque o triunfo no trabalho nada mais é do que o trampolim para novos desafios e Jesus, aos 65 anos, mantém a vontade de querer mais. Mesmo que depois se deixa trair pela genuinidade em momentos de entusiasmo, como foi o caso quando se precipitou na declaração acerca do futuro.
O treinador já o disse. Quer “um grande europeu”. É uma escolha. Pode haver quem ache que o melhor que ele tinha a fazer era ficar ali, no Flamengo, onde é venerado, mas onde, a partir daqui, as coisas só podiam piorar. O que é que ele iria ganhar a seguir? O que lhe aconteceria já no campeonato carioca, a partir de Janeiro, se a equipa começasse a travar? Se Jesus é obcecado com o trabalho, a ponto de não ter levado a família com ele para o Brasil ou de sacrificar noites e dias de férias ao visionamento de jogos das paragens mais recônditas, ao mesmo tempo sempre soube que o trabalho não é a vida e que é nesta, nos amigos e na família, na que temos e na que escolhemos, que encontramos pilares de estabilidade que convém preservar. O trabalho é para ser gerido de outra forma, sempre mais com a frieza da mente e não com o coração.
É verdade que o técnico se terá precipitado na declaração de intenções, feita na euforia dos festejos, porque ainda há um Mundial de clubes por jogar e o facto de saberem que o treinador quer ir embora pode afetar a ligação afetiva de jogadores e adeptos ao objetivo comum. Veremos agora até que ponto a discussão acerca do futuro do treinador, que esta declaração acirrará, não vai afetar a equipa no Qatar, mas a verdade é que, ali, com o Liverpool FC pela frente, o cenário seria sempre muito mais complicado. Nos últimos dez anos, só por uma vez (em 2012) um clube sul-americano ganhou o Mundial de clubes: foi o Corinthians de Tite, face ao Chelsea de Benítez. Ora isto leva a que se pense que para haver vitória sul-americana, são mais os europeus que perdem, e este Liverpool FC de Klopp não tem perdido muita coisa.
De qualquer modo, o desfecho do Mundial de clubes acabará por influenciar a capacidade de escolha de Jesus. Para ele, não foi difícil escolher o Sporting quando Bruno de Carvalho o chamou e ele estava a ser escorraçado do Benfica – vinha de ser bicampeão nacional, tinha perdido as finais europeias que podiam catapultá-lo para outro patamar, mas o Sporting era o clube do coração e o sonho do pai. Já foi mais complicado, depois de fracassar em Alvalade, seguir para a Arábia Saudita – o dinheiro era bom, o panorama nem por isso, mas era o que havia e o importante era mesmo continuar no ativo. O Flamengo, nesse aspeto, foi uma escolha arrojada. A equipa estava a oito pontos do topo da tabela, num campeonato que é dos mais competitivos do Mundo, mas Jesus fez “all in” na carreira e ganhou. Campeonato e Libertadores.
Agora chega a altura de voltar a escolher e Jesus já disse que quer um grande da Europa. Na eventualidade de lá chegar, de conseguir conciliar vontades – sobretudo na área dos empresários – volta a ter um enorme desafio pela frente. De todas as escolhas, a próxima é sempre a mais complicada, mas esta, para Jesus, tem uma complicação adicional, que é a barreira da língua. E não é por o treino ou as explicações táticas e estratégicas se perderem na tradução. É mesmo porque Jesus é um treinador de afetos e a incompreensão prejudica a ligação emocional entre o treinador e os seus jogadores que se viu, por exemplo, no abraço e no beijo que trocou com Enzo Pérez antes da final de Lima. É que muito do sucesso de Jesus se funda na capacidade de criar afetos: entre os que foram jogadores dele, há quem o ame e quem o odeie, mas os que o amam são claros quando dizem que ele foi o melhor treinador que tiveram. Os outros foram aqueles que ele não chegou a conseguir tocar.