Se a ideia por trás de um diretor desportivo passa pela deteção e valorização de jogadores, ninguém no Mundo a corporiza tão bem como o português Luís Campos. Jogador amador e depois treinador de charme mas de fracos resultados, Campos chegou a desistir do futebol no ativo antes de ser recuperado por José Mourinho, que diz ser “como um irmão” para ele. A partir daí, muitas vezes associado aos negócios de Jorge Mendes, o “Senhor Correntes de Ar”, como lhe chamam em França, por estar sempre em movimento, em mais uma missão de observação, transformou-se numa autêntica máquina registadora, de que já se aproveitaram o AS Mónaco e, atualmente, o Lille OSC. À conta das suas recomendações, já lá vão mais de mil milhões de euros de lucro em transferências. A Luís Campos, 55 anos, observador de inegável talento, falta agora o teste supremo, que é dirigir um clube que já seja grande e onde o objetivo sejam os títulos.
“Deixei de me sentir bem. Não sinto vontade de co-habitar com gente que não me diz nada”, disse, há mais de uma década, um aparentemente ressentido Luís Campos, ao MaisFutebol, como que a justificar a sua saída do panorama do futebol nacional. Não era uma desistência, no entanto. Era só a procura de um ambiente que lhe fosse mais propício, e que claramente não era o banco de suplentes. Da mesma forma que na altura optou por desenvolver um método de treino audiovisual, relançando a carreira longe do treino dia-a-dia, agora percebe que é na observação e deteção de talentos que está o seu cluster e que pouco poderia fazer render as suas valências em clubes de topo, que não compram barato e nem pensam em vender com lucro. Foi por isso que, estando nos últimos cinco anos ligado a clubes como o Manchester United, o Arsenal, o Chelsea, o Milan ou o Paris Saint Germain, Campos se mudou do AS Mónaco para o Lille OSC, mantendo colaboradores como o precioso mirandelense Admar Lopes, que recrutou no scouting do FC Porto e entretanto tem seguido com ele para todo o lado. Foi por isso também que Campos não voltou a trabalhar com Mourinho, ao lado de quem é visto frequentemente nas tribunas dos maiores estádios, mas a quem não pode hoje ser tão útil como foi quando, em 2012, este o fez regressar ao ativo, confiando-lhe a equipa de observadores do Real Madrid.
A passagem de Campos pelo futebol, no entanto, começou muito antes disso. Jogou pela AD Esposende enquanto foi estudante de liceu. Quando se mudou para o Porto, para a faculdade, passou a ser treinador de camadas jovens. E quando concluiu o curso universitário, viu o igualmente minhoto Carlos Garcia abrir-lhe as portas do futebol profissional, ao escolhê-lo como preparador físico do seu SC Espinho. Amândio Barreiras, com quem chegou a estar em Espinho, levou-o com ele para ser adjunto, quando abraçou o projeto da UD Leiria, na II Liga. E Campos acabou por suceder-lhe, a meio da época de 1992/93, para a que foi a sua primeira experiência como técnico principal. Tinha 28 anos. Acabou por ser substituído por Manuel Cajuda a meio da época seguinte, mas estava lançado. Ocupou-se da AD Esposende (na II Divisão B), do CD Aves, do Leça FC, outra vez da AD Esposende e do FC Penafiel (sempre na II Liga) até lhe surgir o primeiro convite para dirigir uma equipa do escalão principal. Foi em Novembro de 2000, quando, em penúltimo lugar da tabela, com apenas seis pontos em 12 jornadas, o Gil Vicente demitiu Álvaro Magalhães e apostou no treinador bem falante que crescia no escalão abaixo. Salvou a equipa – foi 14º, cinco pontos acima da linha de água – e entrou no rodízio.


As equipas de Luís Campos eram conhecidas por privilegiar um futebol positivo, nem sempre o mais consentâneo com quem andava nos fundos da tabela. Mas a sua carreira de treinador ficou marcada pelas descidas de divisão de 2002/03. Começou a época em Setúbal, onde acabou por ser demitido, em Fevereiro, com a equipa na penúltima posição. Semanas depois pegou no Varzim, onde José Alberto Costa não resistiu a um 7-0 encaixado na Taça de Portugal face ao FC Porto e, em dez jornadas, obteve apenas duas vitórias, vendo a equipa cair do décimo para o 16º lugar. O Vitória FC, onde começara a temporada, foi último, e Campos acabou por ficar ligado às duas descidas. O treinador ainda passou uma época tranquila no Gil Vicente, na qual até conseguiu ganhar ao FC Porto de Mourinho, mas ao descer com o Beira Mar, em 2005, desistiu de vez. Deixou o treino, concentrou-se nas aulas, investiu num restaurante de praia na sua terra natal e mais tarde criou uma empresa, a Training To Play (T2P), com Américo Magalhães, um vila-condense que foi campeão de canoagem e se radicara em Esposende. A amizade de Campos com José Mourinho foi nessa altura importante, pois permitiu que o T2P desenvolvesse o “Mourinho Tactical Board”, meio que tinha tudo para ser um sucesso, pois o treinador de Setúbal andava nas bocas do Mundo, depois de ganhar a Taça UEFA e a Liga dos Campeões com o FC Porto e de se mudar para o Chelsea.
Foi, aliás, Mourinho quem abriu a Campos as portas de um clube, quando em 2012 o convidou para dirigir o scouting do Real Madrid. “E não foi por eu ser bonito ou por ter olhos azuis”, brincou mais tarde Campos. Ali, começou a desenvolver um método de scouting que faz do detalhe e da persistência os principais argumentos. “Ele procura sempre o máximo de detalhe que pode encontrar. E é persistente”, contou José Morais, na altura um dos adjuntos de José Mourinho, ao Bleacher Report. Ficaram na história os 1.800 jogos que Campos deu a Marcelo Bielsa para que este visse em ação pelo menos 15 vezes cada um dos 120 alvos de mercado do Lille OSC, quando os dois trabalharam juntos, mas o português até prefere ver os seus jogadores ao vivo – razão pela qual raramente está no mesmo sítio e anda sempre de um lado para o outro. “A observação ao vivo é fundamental. Detalhes como a forma de um jogador aquecer antes de um jogo ou antes de uma substituição revelam muito acerca do seu caráter”, explica Campos. E a verdade é que o método já está comprovadamente validado, sobretudo desde que Mourinho regressou ao Chelsea e Campos não seguiu com ele, indo antes para o Mónaco, onde começou por assumir o papel de conselheiro de Vadim Vasilyev, o gestor de um clube em que Jorge Mendes apostava bastante, depois de ser comprado por Dmitri Rybolovlev.


Houve, na verdade, duas políticas de mercado no AS Mónaco dos russos. Primeiro, em 2013, com Campos no papel de mero consultor, um investimento desregrado: 45 milhões de euros em James Rodríguez, 43 milhões em Falcao, 25 milhões em João Moutinho, 20 milhões em Kondogbia, só para citar as mais caras aquisições de um mercado que ficou em 160 milhões de euros. Depois, em 2014, já com Campos no papel de diretor técnico, um investimento mais cirúrgico: 15 milhões em Bernardo Silva (depois vendido por 50 milhões ao Manchester City), 13 milhões em Abdennour (valeu depois 22 milhões para o Valência CF), oito milhões em Bakayoko (vendido por 40 milhões ao Chelsea), seis milhões em Fabinho (que ele já tinha levado para o Real Madrid, sem sucesso, mas acabou por ser vendido por 45 milhões ao Liverpool FC). Além disso, há Martial, contratado em 2013 por cinco milhões e vendido em 2015 por 60 milhões ao Manchester United. Como há Lemar (custou quatro milhões ao SM Caen em 2015 e rendeu 70 milhões na saída para o Atlético Madrid, em 2018) ou Benjamin Mendy (chegou por 13 milhões do Olympique Marselha em 2016 e saiu por 57,5 milhões, para o Manchester City, um ano depois). Depois de um ano com saldo negativo (gastou mais 155 milhões de euros do que os que recebeu, em 2013), o AS Mónaco passou a registar lucro nos mercados: 50 milhões em 2014/15 e 84 milhões em 2015/16. E mesmo assim construiu uma equipa que haveria de ser campeã francesa e de chegar às meias-finais da Liga dos Campeões em 2017.
Campos, no entanto, não ficou para ser campeão com Leonardo Jardim, em 2016/17. Em Junho de 2016, um ano depois de já ter ameaçado demitir-se, por alegadas más relações com Nicolas Holveck, diretor-geral adjunto, e Claude Makelelé, conselheiro técnico, o português demitiu-se mesmo. Na altura, emitiu um comunicado dizendo que “precisava de repouso e de novos desafios” – e terá conseguido as duas coisas, porque só meses depois, mesmo mantendo a empresa sediada no Mónaco, assinou um contrato de prestação de serviços como conselheiro de Gerard Lopez, o dono do Lille OSC. O clube nortenho preparava-se para apostar forte, com a contratação do técnico argentino Marcelo Bielsa, e a Campos pedia-se-lhe que encontrasse talento. Ao todo, entraram mais de duas dezenas de jogadores nesse mercado, para uma época que correu mal: Bielsa foi demitido em Novembro, quando a equipa era 19ª na Liga, após 13 jornadas, e Christophe Galtier, que o substituiu, não conseguiu melhor do que o 17º lugar final, evitando à justa a descida de divisão. Mas estavam lançadas as bases de uma equipa que tinha como destino o crescimento: foi segunda em 2018/19, com direito a vaga na Champions. Logo nesse primeiro mercado, chegaram ao Norte Pépé (custou dez milhões e saiu dois anos depois por 80 para o Arsenal) ou Thiago Mendes (por nove milhões, vendido mais tarde ao Olympique Lyon por 22). Em 2018 surgiram Celik ou Ikoné, que o Lille OSC ainda não vendeu, mas que poderá fazê-lo com considerável margem de lucro, bem como Rafael Leão, que chegou a custo zero (para o clube…) e que entretanto já foi vendido por 23 milhões para o Milan.
Sim, Campos goza das boas graças de Jorge Mendes. Terá sido esse o fator fundamental para que ele entrasse no AS Mónaco dos russos em vez de seguir com Mourinho para Londres. A esse aspeto não será também alheia a excessiva valorização de alguns dos jogadores vendidos pelos clubes do dirigente português. Mas para reduzir o sucesso de Campos a essa relação, seja ela de amizade ou conveniência, é preciso olhar para o mercado só com um olho. Mesmo que a Campos falte, de facto, o tal teste fundamental num grande clube. Aos 55 anos, ainda vai a tempo.
Este é o terceiro de uma série de artigos sobre os homens que dominam o mercado do futebol mundial e que começou com as histórias de Andrea Berta (ler aqui) e Giuseppe Marotta (ler aqui).
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