Vamos fazer um exercício: abra a sua carteira, porta moedas, porta cartões, o que seja. Dele, ou dela, retire um cartão multibanco ou um cartão de visita. Analise-lhe bem o tamanho. Se o mesmo tiver sido feito sob a norma americana, queira saber que o mesmo tem oito centímetros de comprimento e cinco de largura. Caso o mesmo tenha sido produzido sob a norma brasileira, ganhará um centímetro de comprimento mantendo a mesma largura. E foi por um “cartão de visita” ou “cartão multibanco” que o Portimonense viu um golo ser-lhe anulado este fim de semana, algo que levou ao desespero os responsáveis do clube, de António Folha a Theodoro Fonseca. Agora pense que foi por menos do que isso que o Rio Ave não empatou o jogo frente ao Marítimo, numa decisão do VAR que pode perfeitamente ter sido o fora de jogo mais milimétrico da história do futebol. Para o sabermos teríamos de ter acesso às distâncias que levaram a decisões similares lá fora, algo que não acontece. Aliás, só em Portugal é que estas distâncias são reveladas.
A regra do fora de jogo é das mais claras em todo o livro de regras do futebol. Ou é, ou não é. Estando, não muito ou pouco fora de jogo, há fora de jogo. No fora de jogo, porém, a discussão passou a ser outra. Não se o jogador tira realmente partido de um avanço marginal de meia dúzia de centímetros, mas se a imagem que é usada para aferir tal posição é a correta. Afinal, a diferença de frames de análise facilmente pode alterar a conclusão a que se chega. É que, ao contrário do que acontece noutros desportos menos dados à milimetria, ou em que é facilmente identificável o momento em que a tecnologia deve ser utilizada, como no caso do “photo finish” em atletismo ou natação, no futebol, é praticamente impossível com a tecnologia atual perceber o momento exato em que um passe é efetuado.
Não foi, porém, somente no Bessa, no encontro entre Boavista e Portimonense, que o VAR anulou um golo de forma milimétrica. Situação ainda “pior” aconteceu em Vila do Conde no Rio Ave-Marítimo, quando Bruno Moreira lhe viu ser negado o festejo já em pleno período de compensação final – ainda que o lance tenha ocorrido aos 87 minutos, foram mais de cinco minutos de análise – por apenas seis centímetros devido a fora de jogo de Tarantini na assistência para o avançado brasileiro. Resultado? O Rio Ave não conseguiu chegar ao empate e acabou mesmo derrotado pelo Marítimo por 1-0.
A jornada portuguesa ficou marcada por dois lances milimétricos a anular golos que teriam impactos claros nos resultados finais dos jogos em discussão. E se é verdade que a razão da decisão está do lado dos árbitros – fora de jogo é fora de jogo -, a aplicação de um sentimento de “claro e óbvio” já é mais discutível. Tão discutível quanto a imagem ou frame utilizado para a análise do lance. Mais uma vez, não é possível aferir, no futebol, o momento exato em que pé e bola deixam de contactar, ao mesmo tempo que dois jogadores protagonizam movimentos em sentidos contrários. Não com a clareza como é possível determinar quando um corredor corta a meta ou um nadador toca a parede.
Não é só em Portugal, porém, que há discussão no que ao rigor do fora de jogo diz respeito. Uma discussão acentuada pela implementação das linhas de fora de jogo, novidade trazida pela Liga para esta temporada e que vai ao encontro das diretivas do IFAB: rigor na análise e certeza máxima na decisão. Em Inglaterra, principalmente, a quantidade de golos milimétricos já anulados impressiona, mas também na Alemanha, em Itália e em Espanha há casos exemplificativos de quanto o VAR consegue ser impiedoso.
Inglaterra tem sido mesmo o terreno mais fértil no que a decisões milimétricas do VAR diz respeito. Especialmente prolífica neste aspeto foi a jornada de fim de ano, disputada a 28 e 29 de dezembro. Num período de 24 horas foram pelo menos cinco as incidências ocorridas na Premier League que deixaram os cabelos em pé dos adeptos das equipas envolvidas. E se tal não bastasse, o ano novo começou como acabou o antigo, com o Aston Villa como protagonista e com Wesley a ver um golo ser-lhe anulado por uma margem impercetível ao olho humano. Nem o clássico espanhol escapou a toda esta polémica e até na Alemanha, na temporada passada, o festejo do título por parte do Bayern foi adiado uma semana devido a um lance milimétrico ocorrido durante um RB Leipzig-Bayern. Uma coisa é certa: estar ou não em linha é discussão do passado. É tempo de agarrar na régua e no esquadro.
Eis algumas das decisões mais controversas do VAR nas últimas semanas: