Decorreu ontem o debate instrutório relativo às acusações que impendem sobre Rui Pinto, o nome por trás do Football Leaks e que, por força da dimensão mediática que a divulgação dos mails pirateados foi assumindo a reboque de Francisco J. Marques e do Porto Canal, ficou conhecido para a generalidade dos adeptos em Portugal como o “hacker do Benfica”. Pinto, que vai saber em Janeiro por quantos crimes será julgado, no entanto, é muito mais do que isso. E a situação em que está deve-se tanto a uma conduta aparentemente criminosa como às insuficiências da regulamentação europeia para a proteção dos denunciantes, que não aguenta o confronto com a realidade.
Poucos se recordarão – poucos saberão, até – que as primeiras ações de Rui Pinto foram de desafio ao FC Porto e ao Sporting, mas quem tiver capacidade de ler inglês e tiver tempo pode ficar a conhecer todo o caso neste notável artigo da New Yorker. Adepto portista, a primeira motivação de Pinto foi mesmo denunciar os contornos pouco claros dos negócios que o seu clube do coração fazia com a Doyen, por intermédio de Alexandre Pinto da Costa. Foi caso disso o negócio de Casemiro com o Real Madrid. A partir daí, foi um vê-se-te-avias. Toda a gente apanhou por tabela, o que é sinal de que há muita coisa difusa no Mundo do futebol, como há em todos os mundos que envolvam muito dinheiro. Apanhou o Sporting, apanhou Ronaldo, apanharam clubes no estrangeiro, como o Paris St. Germain ou o Manchester City, apanhou o Benfica… Portugal é que vive fechado neste mundinho medíocre dos programas de comentadores engajados e ficou bloqueado nas bolachas da Magda.
Na posse de documentos comprometedores, Rui Pinto podia ter feito uma de duas coisas: entregá-los à justiça ou tentar ganhar com eles. A tentação foi demasiado grande e ele seguiu o segundo caminho. Está por esclarecer se retirou vantagem da entrega dos mails do Benfica a Francisco J. Marques, que depois se encarregou de os vasculhar e de os divulgar no Porto Canal, imediatamente formando na opinião pública a imagem parcial que esta tem do pirata informático. Mas parece evidente que tentou fazê-lo com a Doyen, cujo representante, Nélio Lucas, levou uma escuta da Polícia Judiciária para a reunião com Aníbal Pinto, o advogado de um tal Artem Lobuzov, que era o pseudónimo de Rui Pinto, que na realidade foi um nadador russo nos Jogos Olímpicos de 2012. Uma reunião em que terá sido sugerido um pagamento pelo silêncio do pirata informático.
Terá sido aqui, ao que tudo indica, que Rui Pinto passou de denunciante a extorsionista. E extorsão é crime. Mesmo que a regulamentação europeia para os denunciantes preveja que a informação por eles conseguida possa ser divulgada pelos próprios meios – o que além de abrir uma caixa de Pandora de contornos totalmente incontroláveis, vem contribuir de forma decisiva para a descredibilização dessa mesma informação. É evidente que mesmo neste país de opereta a informação conseguida por Rui Pinto teria sido levada de outra forma tivesse ela sido trabalhada e divulgada por jornalistas independentes e credíveis. Ou, à falta de organizações jornalísticas a quem o mercado confira a independência financeira para poder gastar tempo suficiente com este caso, pelas autoridades policiais.
É muito por causa dessa “proteção descredibilizadora” que, provavelmente, só a vida de Rui Pinto vai mudar com este processo. O futebol, esse, infelizmente, continuará na mesma, com o dinheiro a correr pelos canais menos apropriados e o povo entretido a falar das bolachas da Magda.