Angel Gomes é mais um nome sonante a chegar ao futebol português. Com toda a formação feita no Manchester United, visto como uma das mais promissoras jovens promessas do futebol inglês, o extremo chega ao Boavista por empréstimo do Lille OSC. A parceria entre os axadrezados e o clube francês, ligada pela mente de Luís Campos, começa a dar frutos no Bessa com uma contratação que causou muita surpresa. Filho de Gil, antigo campeão do mundo de Sub-20 na geração de ouro portuguesa de 1991, o futebol está no sangue de Angel, mas também nos laços familiares com Nani como padrinho. Lançado por José Mourinho na equipa principal dos red devils, Angel vai encontrar em Portugal uma plataforma onde pode ter os minutos que escasseavam em Old Trafford, naquela que será a primeira época total enquanto profissional. Por isso mesmo, será o tira-teimas de uma questão fulcral: Angel Gomes vai cumprir o potencial que lhe é dado, ou será mais um ‘puto maravilha’ cujo ‘buzz’ não se replica em campo?
“Demorei um pouco porque não foi fácil colocar as minhas emoções em palavras. Infelizmente, chegou a hora de terminar um belo capítulo que tem sido minha vida há 14 anos. Sendo de Salford, o Manchester United é tudo que eu conheço. (…) 21 de maio de 2017: Eu fiz minha estreia na Premier League pelo clube dos meus sonhos, com 16 anos, substituindo a lenda ‘Wayne Rooney’. Está na hora de dar o próximo passo na minha carreira, espero que todos possam orgulhar-se do que espero alcançar. Desejo ao clube e a todos os envolvidos a melhor sorte, sentirei a falta de todos mais do que possam imaginar. Também quero agradecer aos adeptos o apoio, não passou despercebido.” Foi desta forma emotiva que Angel Gomes disse adeus ao único emblema que conheceu na vida até agora.
No que toca ao Boavista, esta trata-se de uma clara aposta para uma temporada em que a Europa vai estar entre os objetivos. Para além de Gomes, os axadrezados já anunciaram também as aquisições de Ricardo Mangas (ex-CD Aves) e Yanis Hamache (ex-Red Star, emprestado pelo OGC Nice). Aqui também se verifica claramente a influência que a parceria com o Lille OSC começa a despoletar, assim como os conhecimentos de Luís Campos no mercado francês. A juntar a isso, o Boavista apostou as fichas em Vasco Seabra para ser o homem do leme na próxima temporada, numa derivação da estratégia mais defensiva dos últimos anos, para um futebol que salta mais à vista dos olhos dos adeptos e para chamar a atenção de mais amantes do desporto rei.
Ora, o facto de ir agora vestir a camisola boavisteira causou muita surpresa, principalmente em Inglaterra, pois muitos questionam a razão pela qual alguém deixa de renovar contrato com um clube como o Manchester United para assinar com o Lille e ir parar a uma equipa de meio da tabela da Liga Portuguesa. De acordo com o Manchester Evening News, Angel Gomes decidiu não renovar com o United muito por culpa da iminente chegada de Jadon Sancho ao clube. Uma das razões foi a escassez de minutos na equipa principal (participou apenas em cinco jogos nesta temporada…), o que com a possível contratação de Sancho faria com que a possibilidade de jogar fosse ainda mais remota. James Cooper, jornalista da Sky Sports, apontou que o Manchester United tinha mesmo o objetivo de prolongar o vínculo do jovem e que a oferta de contrato era de longa duração, mas Gomes decidiu mesmo dar outro rumo à carreira. Chegou a falar-se no interesse de FC Barcelona e Chelsea, por exemplo, na imprensa inglesa, mas acabou por ser mesmo o Lille a abrir a porta, via Boavista.
A verdade é que com a camisola da Pantera Negra, Gomes vai poder ter a primeira temporada completa no futebol sénior e por cá muito provavelmente vai conseguir somar minutos e o tempo de jogo necessário para a natural evolução e para que se perceba se estamos perante mais um ‘puto maravilha’ que tem rótulo de craque, mas acaba por não cumprir o potencial, ou se este jovem de 19 anos é mesmo alguém com quem contar na próxima década do desporto rei. Por isso mesmo, esta passagem do Boavista para uma filosofia que aparenta ser mais virada para o futebol positivo e não tanto defensivo, pode fazer maravilhas à carreira de Gomes. É que passar das camadas jovens dos red devils, onde estava habituado a passar dois terços do jogo em manobra ofensiva, para uma equipa onde o principal foco seria a missão defensiva poderia fazer com que o foco e o empenho acabassem por deixar a desejar.


O futebol no sangue
Todo este ‘buzz’ que surge quando se fala em Angel Gomes também passa um pouco pelo facto de que tem o futebol no sangue. Angel é filho de Gil Gomes, antigo jogador de Benfica, Ovarense, SC Braga e Estrela da Amadora, que terminou a carreira em Inglaterra durante 2006, numa fase já descendente da carreira. O ponto alto de Gil foi quando se sagrou campeão mundial de Sub-20 pela seleção portuguesa. Sim, aquela geração de ouro do desporto rei nacional que em 1991 (Rui Costa, Figo, João Vieira Pinto, etc…) , em pleno Estádio do Jamor, venceu o Brasil na final em grandes penalidades. Gil, que ocupava igualmente os mesmos espaços no terreno do que o filho, até foi titular nessa partida. Dois anos antes já tinha sido também campeão da Europa pela seleção portuguesa de Sub-16, em competição disputada na Dinamarca.
O próprio Angel sabe o que é levantar troféus por seleções jovens. Só que, ao contrário do pai, o jovem de 19 anos optou por representar Inglaterra (algo que ainda poderá mudar, pois não fez qualquer jogo pela seleção A), o país onde nasceu. Angel já foi internacional inglês em Sub-16, Sub-17, Sub-19 e Sub-20. Foi mesmo em Sub-17 que alcançou mais glória. Em 2017, os Sub-17 ingleses conquistaram o Europeu da categoria, disputado na Índia, na final diante da Espanha. Apesar de não ter marcado no encontro decisivo – no qual entrou apenas no fim -, Angel apontou dois golos na prova e participou em cinco partidas, duas delas com estatuto de titular.
Nesse ano já Angel jogava pelos juniores do Manchester United e tinha feito a estreia pela equipa principal (já lá vamos…). Desde 2010/11 que o extremo sabe o que é envergar o símbolo dos red devils e passou por quase todos os escalões jovens do clube. Aliás, quando tinha apenas 13 anos Angel até representou os Sub-17 da equipa num torneio na Eslováquia, em 2013, e na temporada 2014/15, com 15 anos, foi chamado aos Sub-18 em duas ocasiões.
Há mais alguém na família familiarizado com o futebol inglês e com o que é a vida de Manchester United. Para além do pai, Angel é ainda afilhado de Nani e muito por culpa da ligação entre Gil e Carlos Queiroz, antigo adjunto no clube. “Tenho um vídeo que o meu pai gravou em que estava a jogar, marquei um golo, corri a gritar ‘Naniiii!’ e depois fiz o mortal. Ele era alguém que eu admirava mais e mais com o passar do tempo, especialmente porque se tornou um amigo chegado da família. É estranho, mas Carlos Queiroz tinha sido o treinador do meu pai nas seleções jovens de Portugal. Eles têm uma ligação especial e ainda falam muito. Obviamente, o Nani tinha também uma ligação ao Carlos, então foi aí que tudo começou para ele e o meu pai se tornarem amigos chegados”, contou Angel ao Manchester Evening News já neste ano.
“Ainda me lembro da primeira vez que fui à casa dele [Nani] quando tinha oito anos. O meu pai disse: ‘Bem, vamos sair’, sem explicar nada. Chegámos à casa, uma casa bem grande, e um grande cão começa a correr, o Nani apareceu e eu pensei ‘wow’. Foi surreal, mas depois de 30 minutos, o Nani já me tinha feito sentir à vontade. Primeiro, ele para mim era este jogador famoso do Manchester United, mas é apenas uma pessoa normal. Pouco depois, já estávamos a jogar FIFA e futebol no jardim. O Nani é fantástico. Ele costumava convidar-me e ao meu irmão para a casa dele. É uma das pessoas mais humildes que conheci na vida. É o meu padrinho e mesmo a jogar nos Estados Unidos [Orlando City], ainda falamos regularmente”, acrescentou ainda Angel.


Estreia pelas mãos de Mourinho
Em 2017, Angel Gomes tornou-se no mais jovem a jogar pela equipa principal do Manchester United desde Duncan Edwards, em 1953, assim como também o primeiro jogador nascido depois de 2000 a atuar na Premier League. A estreia pelo conjunto principal dos red devils aconteceu a 21 de maio de 2017 na receção do United ao Crystal Palace a contar para a última jornada do campeonato. Tinha 16 anos e 263 dias. E quem era o treinador que o lançou em campo? José Mourinho. O técnico português promoveu a estreia de Angel aos 88 minutos, num momento que o jovem não mais vai esquecer, por mais que os anos passem. E logo a substituir um dos ídolos de infância… Wayne Rooney.
“Foi uma loucura. Lembro-me de apenas estar a aquecer e o Mourinho estar a gritar por mim e eu estava a olhar para os adeptos como se estivesse a sonhar. Estava assim até que um steward gritou ‘Angel!’ e eu percebi que o Mourinho estava a chamar-me. Fiquei do tipo: ‘Vou mesmo entrar’. Apenas me lembro do Rooney sair e só pensava: ‘uau'”, começou por relatar o extremo aos canais oficiais do clube em abril deste ano. “Cresci numa área repleta de adeptos do Manchester United, em Salford. Cresci como um verdadeiro red. Foi assim a minha infância. Ir aos jogos, fingir que era um daqueles jogadores na rua. Rooney, Ronaldo… e idolatrava o Nani também”, contou ainda Angel.
E em muito Gomes se assemelha, em termos de características, às de Nani. “O drible, passe e a rápida mudança de velocidade são atributos chave do jovem”, pode ler-se no Football Whispers, blog dedicado ao desporto rei. Para além de atuar como extremo, ou até mesmo na frente de ataque, Gomes também sabe o que é jogar mais recuado no meio-campo, como já o fez nos Sub-18 do Manchester United, como número oito. E nas partidas que realizou com esse papel, Gomes “demonstrou uma inteligência com bola necessária para jogar à frente do setor defensivo. Apesar de usar o número dez na camisola, jogou com a visão e precisão de um número seis, que dita os tempos do jogo”, referiu ainda o blog. No entanto, pisar essas zonas do terreno numa equipa de camadas jovens do Manchester United é bem diferente do que fazê-lo na Liga Portuguesa e num clube como o Boavista. Não vai haver tanta bola para passar, nem tão poucas missões defensivas por cá, pelo que será mesmo como extremo que Angel mais servirá os propósitos nesta nova aventura.
Em dezembro de 2017 chegou o primeiro contrato profissional pelo Manchester United. A estreia na mítica Taça de Inglaterra teve lugar em janeiro de 2018 quando entrou, novamente aos 88 minutos, contra o Yeovil Town, então na quarta eliminatória da competição. Quanto ao primeiro golo enquanto sénior, esse aconteceu a julho do ano passado e foi num particular contra o Tottenham, que terminou com um triunfo por 2-1. O problema é que as oportunidades para ir a jogo na equipa principal foram sempre escassas e com poucos minutos. Desde a estreia em 2017, Angel participou somente em dez compromissos. Só três deles foram com estatuto de titular, curiosamente todos nesta época, mas na fase de grupos da Liga Europa, onde o Manchester United ia rodando a equipa e nem sempre apareciam em campo os jogadores de maior nível. Assim, também não surpreende que Angel ainda não tenha feito o gosto ao pé em jogos oficiais enquanto profissional. Por isso mesmo, esta oportunidade no Bessa ganha especial interesse para perceber se este miúdo irá cumprir o rótulo que lhe deram com a devida quantidade de tempo dentro das quatro linhas.
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