Se uma goleada é sempre difícil de digerir, uma goleada frente ao maior rival é ainda mais complicada de suportar. E, no entanto, não é no resultado de domingo nem sequer na venda ou permanência de Bruno Fernandes que deve estar concentrada a cabeça da estrutura do futebol do Sporting. Isso é gestão corrente. Tal como foi um erro do treinador improvisar um sistema que não tinha sequer testado para defrontar o Benfica, também será um erro se o presidente e o diretor do futebol se centrarem em demasia no que correu mal naquela noite. Frederico Varandas, Hugo Viana e Marcel Keizer precisam de se sentar os três à mesma mesa e de definir muito claramente o que querem que seja o Sporting ao nível da política social, da política desportiva e do futebol que apresenta em campo. O resto são as consequências do que sair dessa conversa.
No final do jogo, os adeptos dividiam-se entre os que arrasavam Varandas e os que punham em causa a continuidade de Keizer. Ao contrário do que acontecia noutros momentos pré-invasão de Alcochete, os jogadores não foram tão causticados, talvez pela noção popular de que acima deles já não há homens infalíveis. Keizer disse-o: “esta vai ser uma semana muito difícil”. E não vai ser só para ele. Apesar de ter dito que não está “nada preocupado” – e devia estar… muito – Varandas também sabe que resultados como o de domingo apertam o garrote da contestação e que quanto maior for a contestação mais complicado se torna definir um rumo. Ora o presidente definiu claramente esse rumo ao nível da política social e da infra-estrutura, mas ainda não o fez no que toca à política desportiva. Ao contrário do que se ouve e lê por aí, o Sporting não perdeu porque foi educado e optou por respeitar os vencedores com o aplauso que eles mereceram: isso não é de “croquetes”, é de humanos respeitadores. Nem perdeu por ter desviado recursos de investimento para infraestrutura na academia de Alcochete, porque apesar de tudo o plantel deste ano ainda é bastante melhor do que o do ano passado.
O Sporting perde – e esta época não só ainda não ganhou uma única vez como levou 16 golos em seis jogos – porque cada vez menos sabe ao que joga. E isso, sim, é responsabilidade do treinador, que não acredito em dirigentes que imponham ideias nessa área. Mas é também incumbência do presidente e do diretor de futebol questionar o treinador a esse respeito, definir com ele um rumo ou pelo menos perceber qual é o rumo que ele quer e em nome do qual terá sido contratado. Ao Sporting falta definir – pelo menos em termos públicos – se a aposta estrutural é na formação ou em valores mais firmes. Falta definir se a equipa joga um futebol de posse, construção elaborada e pressão, centrando a maioria das suas unidades na frente, mais à holandesa, como Keizer começou por fazer à chegada a Portugal, ou um futebol de menos risco e com jogo mais direto, como passou a fazer a partir do primeiro jogo com o FC Porto, encontrando aí os argumentos que o levaram a vencer duas finais com os dragões. Falta definir (e aperfeiçoar, que estas coisas não saem só da cabeça, têm de ser praticadas e rotinadas) se joga com três, quatro ou cinco atrás; com extremos puros ou com médios a cair por dentro, com um ou dois pontas-de-lança, com Bruno Fernandes a comandar, na ala ou até fora da equipa, abrindo caminho a Vietto. Vou ser o mais claro possível: nenhuma equipa do Mundo consegue ter sucesso a mudar estas variáveis a um ritmo tão vertiginoso como este Sporting, que a esse nível se aproxima da esquizofrenia criativa.
Para responder ao que me perguntaram ontem várias vezes: sim, acho que Marcel Keizer tem condições para continuar. Ou pelo menos tem tantas condições como tinha na noite em que ganhou a Taça de Portugal. Não acredito em chicotadas psicológicas na sequência de eventos tão traumáticos como os 5-0 de domingo, porque resultados desses roubam a clarividência a quem tem de tomar decisões. E foi por isso que achei o excesso de Frederico Varandas na desdramatização fora deste Mundo em que vivemos. Porque neste Mundo em que vivemos há pessoas que não estão à mesa com ele, com Hugo Viana e com Keizer e não podem nem querem partilhar de tanta tranquilidade. E que por isso mais perturbadas ficarão se, como a conjuntura permite prever, o jogador-bandeira em quem mais se reveem acabar por ser transferido e se, como aquilo que a equipa tem vindo a mostrar leva a antever, da Madeira não vierem boas novas no domingo. O que está a passar-se no Sporting neste início de época não exige medidas drásticas mas exige tomadas de posição claras, não acerca de estados de espírito mas de questões concretas. Os adeptos não querem nem precisam de saber se o presidente está chateado ou preocupado, mas têm o direito de saber com clareza o que ele pensa fazer com estas derrotas.
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