Num momento em que o futebol está parado em toda a Europa, a Bielorrússia é a exceção à regra. Uma resistência solitária que parece ser imprudente mas que tem por base as palavras do presidente do país, apoiadas pelos responsáveis da federação. São vários os jogadores que já manifestaram descontentamento por terem de continuar a jogar quando se trava uma guerra contra o vírus da COVID-19. Visto ser um dos países europeus com menor número de casos (86, num país com quase dez milhões de habitantes) e ainda sem mortes, a generalidade da população continua a fazer a vida normal e, como não foi instaurada quarentena, é pouco provável que o futebol venha a ser suspenso. O que tornou a Liga bielorrussa o centro de uma atenção que nunca tinha conhecido.
Foram muitos aqueles que ficaram surpreendidos ou até mesmo chocados com Aleksandr Lukashenko, há cerca de uma semana. O presidente, que lidera a Bielorrússia sem oposição desde 1994 e chegou a ser apelidado de “ditador” pelo ‘The Guardian’, em 2012, desvalorizou a pandemia e deixou a seguinte mensagem à população: “Lavem as mãos e comam a horas certas. Eu não bebo álcool, mas a vodka não serve apenas para lavar as mãos, também deviam beber uns 100 mililitros por dia para matar o vírus, caso não estejam a trabalhar, claro. Desejo-vos boa saúde, não adoeçam. Vão fazer sauna, desde que seja seca, duas ou três vezes por semana. Os chineses dizem que o vírus morre a partir dos 60 graus centígrados.”
Depois de palavras destas seria de estranhar que os eventos desportivos fossem suspensos. Por isso mesmo, a Liga bielorrussa arrancou no momento em que todas as outras paravam e, com a primeira jornada já disputada, prepara-se para a segunda ronda, que começa já amanhã, sexta-feira, 27 de março. “De acordo com Vladimir Bazanov, o presidente da federação bielorrussa, a situação ainda não é crítica, não há estado de emergência, então decidiram começar o campeonato de acordo com a data estabelecida”, começou por contar-nos Taras Schiry, jornalista do canal televisivo ‘Belsat’. Em todo o mundo, além da Bielorrússia, só a Nicarágua, o Burundi e o Turquemenistão continuam com futebol ativo.


No que diz respeito aos protagonistas, o sentimento geral é de incompreensão. “Todos sabem que o futebol está parado nos outros países. Então, muitos adeptos e jogadores não apoiam a decisão de começar a liga numa situação tão complicada como esta”, continuou Taras Schiry, antes de começar a enumerar vários exemplos. “O Aleksandar Filipovich [BATE] disse que adiar o campeonato seria a melhor opção, pois a saúde das pessoas é mais importante. O Syarhey Palitsevich [Shakhtior] confidenciou que estava a tentar isolar-se de espaços públicos. O Sergey Aleinikov [ex-internacional] referiu que não entendeu aquilo que a federação está a tentar provar ao iniciar a competição. Ele pensa que jogar com espectadores nas bancadas é imprudente.”
Ainda assim, há futebolistas que partilham da visão dos responsáveis do país e da federação ao defenderem também a continuidade dos jogos. “O Alexander Gutor [Shakhtior] acredita que está tudo bem na Bielorrússia e que a nossa medicina está a lidar com a tarefa”, disse-nos Taras Schiry. Para além disso, também existe quem vá para o campo simplesmente porque é o emprego e função que têm de cumprir. “Ao público, os jogadores não expressam muito receio. A reação generalizada é algo como ‘disseram-nos para jogar, então vamos fazê-lo, não nos cabe a nós decidir’. Ou então ‘não entramos em pânico, a vida continua’. Alguns como o Artem Milevski, do Dínamo Brest, dizem que é um pouco estranho que na Bielorrússia se continue a jogar. Ainda assim, ele pensa que a situação está sob controlo”, indicou-nos Sergey Nikolaev, jornalista do ‘Pressball’.
O futebol tem seguido normalmente e assim os treinos também têm acontecido como habitual, até porque ainda não existem medidas drásticas tomadas no país. A quarentena não foi introduzida e por isso mesmo universidades, fábricas e transportes públicos continuam a funcionar. As competições de futebol não são exceção. Até há quem convide Cristiano Ronaldo e Messi para irem jogar no único país onde há futebol. “Quando a NHL [Campeonato de hóquei no gelo dos Estados Unidos] foi suspensa, muitos jogadores vieram para a Rússia jogar. Talvez Lionel Messi e Cristiano Ronaldo queiram vir jogar futebol para a Bielorrússia”, ironizou Aleksandr Hleb recentemente, citado pelo ‘The Sun’. Num tom mais sério, o ex-médio de Arsenal e FC Barcelona abordou melhor a situação. “Todas as equipas estão a treinar normalmente. Ninguém quer saber. Eu preocupo-me com a minha saúde e a da minha família. Estou a evitar ao máximo o contacto social.”


O que será, então, necessário acontecer para que o futebol acabe por ser suspenso também em solo bielorrusso? Pois bem, os entendidos acreditam que só através de um rápido crescimento do número de casos confirmados, ou se a COVID-19 afetar algum jogador do campeonato.
Sergey Nikolaev apontou quatro possibilidades que podem levar à paragem do campeonato. “Se algum futebolista for diagnosticado com o coronavírus – já houve três jogadores com sintomas suspeitos há cerca de dez dias, mas os testes deram negativo; se a UEFA oficialmente obrigar a Bielorrússia a parar; se o número de casos confirmados no país começar a aumentar rapidamente; ou se o presidente Lukashenko decidir que todos os eventos desportivos devem ser suspensos.”
Aquilo que tem vindo a acontecer no resto da Europa, Portugal incluído, deveria servir de exemplo para os altos cargos da Bielorrússia, entende Taras Schiry, que defende a suspensão do campeonato. “Penso que parará se começar a quarentena obrigatória no país. Até agora ainda não foram tomadas medidas nesse sentido. Para mim, esta é uma situação muito estranha e incompreensível. Aquilo que está a acontecer no oeste da Europa mostrou o quão perigosa a COVID-19 pode ser. Futebolistas conhecidos também estão a ser afetados por esta doença. E o estádio não é o sítio mais confiável. Fazer quarentena e suspender o futebol seria uma boa solução para reduzir os riscos do coronavírus se espalhar”, considerou.
Um país a viver à parte
Ao final do dia de quarta-feira, o novo coronavírus, responsável pela pandemia de COVID-19, já tinha infetado perto de 428 mil pessoas por todo o mundo, com mais de 19 mil mortes. No entanto, na Bielorrússia são apenas 86 os casos confirmados até agora, com 29 recuperados e sem mortes a reportar. Talvez seja por isto que o país vive neste momento à parte de todos os restantes na Europa. Embora haja alguma contenção entre a população, a rotina segue como habitual.
“A maioria das pessoas trabalha nos escritórios, como habitualmente. Alguns foram enviados para casa. Mas não há verdadeira quarentena aqui. Os transportes públicos, lojas e restaurantes funcionam normalmente. As pessoas vão à rua livremente, muitas tentam apenas tomar as devidas precauções como lavar as mãos mais frequentemente, evitar centros comerciais e usar um pouco menos os transportes. Algumas usam máscaras, mas não é muito comum”, contou-nos Sergey Nikolaev.


Há um exemplo que pode servir para aquilo que está a passar-se na Bielorrússia e ele vem de Angola. O país africano foi um dos últimos a decidir suspender o futebol, assim como a Austrália, já durante o fim-de-semana. Apesar de ter apenas três casos confirmados, Angola optou por antecipar-se à gravidade da situação.
“Os principais dirigentes do país souberam lidar com a situação. Uma vez que não havia ninguém infetado pelo vírus permitiram que o campeonato decorresse com normalidade, mas com obrigação dos jogos serem à porta fechada. Na última ronda jogámos com o estádio vazio. Infelizmente, a situação mudou. De repente já havia dois casos confirmados e, mediante isso, decidiram parar por tempo indeterminado. O Girabola neste momento encontra-se parado. Foi algo que eu e os meus colegas de equipa ficámos a saber no sábado, quando nos encontrávamos no estágio de preparação para o jogo frente o Inter de Luanda”, disse-nos Ézio Pinto, jogador luso-angolano do Recreativo Libolo.
Ivo Campos, treinador português do Interclube, confidenciou-nos que foi ao intervalo de uma partida que ficaram a saber que todas as atividades desportivas do país iriam ficar suspensas. “O campeonato estava a decorrer até ao dia 22. Jogámos no sábado, dia 21, contra o Recreativo Libolo, já à porta fechada, porque tinha saído um decreto de que todas as atividades físicas, ou seja os jogos do Girabola, teriam de ser assim. No sábado, ao intervalo, recebemos a notícia de que tinha saído um decreto presidencial e a partir de terça-feira [24] todas as atividades físicas, lúdicas e provas oficiais de todas as federações estariam anuladas”, referiu o técnico de 39 anos.
Mas já voltamos a Angola. Por agora continuamos em terras bielorrussas, país em que até a própria comunicação social tem vindo a demonstrar-se dividida em relação à tomada de posição do presidente Lukashenko e da federação de futebol. “A comunicação social que é apoiada pelo Estado defende sempre o que diz o presidente, diga ele o que disser. Outros media ou a população em geral estão céticos e acreditam que ele está a subvalorizar a situação e que o governo deveria tomar mais medidas contra o vírus – e a suspensão de todos os eventos desportivos”, referiu Sergey Nikolaev.
Assistências a baixar, interesse a crescer
Apesar de tudo, têm sido são menos as pessoas nos estádios neste início de temporada. “No que concerne a adeptos, o número de espectadores na Liga Bielorrussa nunca foi muito grande, uma média entre dois a três mil. No começo desta época tem sido ainda menos, 1309 em média da primeira jornada. Isto indica que provavelmente muitos dos aficionados estão com receio de ir aos estádios”, indica-nos Sergey Nikolaev.
Taras Schiry aponta o campeão em título, Dínamo Brest, como melhor exemplo para esta mesma queda de assistência nas bancadas. “Ainda não existe um pânico generalizado na sociedade, mas o vírus tem afetado as assistências nos estádios. Por exemplo, o primeiro jogo em casa do campeão, o Dínamo Brest, teve 3648 espectadores. Há um ano, o primeiro compromisso caseiro da equipa contou com 9126 adeptos nas bancadas”, recordou, antes de dar conta de algumas medidas já implementadas nos recintos desportivos. “Em relação aos estádios aqui, estão instalados desinfetantes. A juntar a isso, foram distribuídas máscaras de proteção nos jogos.”


A contrastar com a queda nos adeptos presentes, o interesse na Liga bielorrussa tem estado a crescer, algo que se explica simplesmente pelo facto de ser o único campeonato onde se podem ver jogos ao vivo. Algumas estações televisivas de outros países têm feito questão de transmitir o campeonato bielorrusso e por isso mesmo estes jogos têm vindo a ganhar fama em tempos de crise mundial. “O ‘Match TV’, canal de televisão russo, teve problemas com as transmissões desportivas em direto, então comprou os direitos para transmitir o nosso campeonato, algo que não acontecia anteriormente. Na Rússia apenas mostravam algumas partidas de equipas bielorrussas nas competições europeias e da seleção. Além disso, também uma estação televisiva ucraniana comprou os direitos para transmitir a liga”, revelou Taras Schiry.
O caso angolano
Ao contrário daquilo que se passa na Bielorrússia, o governo angolano já decidiu suspender o Girabola, assim como todas as atividades desportivas. Depois de passar por um período com jogos à porta fechada, na fase em que ainda não havia casos confirmados no país, o surgimento dos primeiros infetados por COVID-19 fez com que tudo mudasse. Ivo Campos recordou-nos que ainda durante a semana passada, na quarta-feira, frente ao Sagrada Esperança, no Dundo, “o estádio estava completamente cheio, com entre 12 a 15 mil pessoas. Portanto, isto tem sido assim muito rápido.”
Até há cerca de uma semana, os trabalhos e sessões de treino das equipas decorriam dentro da normalidade, tal como nos disse Ézio Pinto. “Esta última semana de treinos foi o habitual, correu tudo dentro da normalidade.” Ainda assim, com a introdução da quarentena, a vida de futebolistas, treinadores e clubes muda e é preciso haver adaptação. “Agora estamos a ajustar isso, mas os jogadores vão ter planos individuais até haver novas indicações. O tempo que está definido pelo Estado são duas semanas para saber se vamos reatar ou não”, apontou Ivo Campos, que com toda a sinceridade confidenciou que pensa não haver possibilidade para que o campeonato seja retomado.


O treinador deu conta de que vinha já estabelecendo um processo de preparação para os jogadores saberem o que estava por chegar. “Sabendo o que se estava a passar na Europa de uma forma drástica, até porque temos família aí e a pandemia automaticamente atinge todos os continentes, fiz o meu papel. Alertei o departamento médico, fomos fazendo alguns ajustes e planos de contingência muito curtos até ter indicações sérias do Ministério da Saúde”, referiu o técnico. Visto que muitos dos jogadores que orienta vivem com a família e pessoas mais idosas, Ivo Campos fez questão de interiorizar desde cedo o que se tratava. “Vinha alertando os jogadores já há umas duas semanas para algumas dificuldades que poderiam vir aí e terem sempre atenção às pessoas de idade, porque muitos ajudam os pais ou vivem ainda com eles, que são de idade avançada.”
Os protagonistas do desporto rei têm acatado a quarentena, assim como as medidas preventivas de forma a evitar a propagação do vírus. “Em relação à vida pessoal, eu tenho feito a minha parte. Uma vez que estamos de quarentena evito ir em locais onde haja grandes aglomerações de pessoas e só saio para comprar uma coisa outra que me falte como comida ou produtos de higiene pessoal. O governo tomou as medidas necessárias para que esta situação no país termine o mais rapidamente possível. As pessoas estão conscientes da situação que o mundo está a atravessar”, considerou Ézio.


No que concerne a Ivo Campos, a vida em família tem também sido feita com o máximo de contenção. “Vivo com a minha família, esposa e filha. A minha filha já não vai à escola há uma semana por decisão minha. Vamos ouvindo em Portugal e também depois destas indicações do governo, estamos a fazer quarentena total. Apenas saio de casa para coisas muito específicas de alimentação e nada mais. Vivemos numa zona tranquila, não temos necessidade de andar no meio da confusão.”
O treinador que em Portugal passou por Benfica (scout), GD Chaves (camadas jovens), Leixões (camadas jovens), entre outros, traçou aquilo que tem conhecimento ser o panorama atual de Angola, mais um dos países nesta guerra que todo o mundo está a batalhar. “Não convivo muito com a população, apenas nos jogos e treinos com alguns adeptos. Tudo o que sei é através de redes sociais, meios de comunicação e alguns funcionários em casa. Nota-se que eles próprios têm receio, estão muito atentos às informações dos chefes de estado. Não costumo andar muito na rua, mas por telefonemas que tenho feito a colegas que vivem mais no centro, eles dizem que a cidade está muito parada. Temos aqui essa cultura em Angola de quando o chefe de estado fala as pessoas acatam, ouvem e felizmente tem estado recorrentemente na televisão a dar indicações para aquilo que se deve fazer”, disse.
os portugueses e que sao heoris deixaram de jogar logo e ainda criticam hoje o futebol que ainda se ve e o que houve . bicho papao deste virus que nao podia ser normal estou em casa e nem a net as vezes agarra a gente .