Quando se fala de sentir a camisola, haverá poucos profissionais no Mundo que o façam mais do que Sérgio Conceição ou Bruno Fernandes. O treinador do FC Porto é, portanto, coerente quando diz, como disse ontem, em antevisão do jogo de hoje com o Young Boys, de estreia na Liga Europa, que “é preciso sentir o clube”. A afirmação foi uma tentativa de fechar o caso-Nakajima, que é como quem diz a gritaria acompanhada de gestos agressivos com que, em pleno relvado e com as câmaras de televisão em cima, Conceição tentou explicar ao japonês o que sentia acerca dos erros que ele cometera e que quase custavam dois pontos à equipa. A questão é que, como está bem à vista na forma como Bruno Fernandes reagiu à frustração de ter sido expulso no Bessa, vingando-se nas portas do balneário após ter levado muito mais pancada do que a que deu, deve haver limites para o sentimento. E a inteligência é o maior desses limites.
Conceição presumiu que Nakajima falhou em Portimão por uma questão de falta de sangue na guelra e eu não estou convencido disso. Acho que muito da forma como, no segundo golo do Portimonense, o japonês se deixou ficar e abandonou Alex Telles a um um-para-dois com elevadas probabilidades de fracassar teve a ver com caraterísticas que podem ser trabalhadas mas que dependem mais da inteligência-tática que do empenho puro e duro. E Nakajima até pode vir a ser o cúmulo do empenho e do sentimento que, se não compreender totalmente a razão pela qual tem responsabilidades defensivas inerentes à posição que ocupa no campo, nunca deixará de faltar aos colegas em situações como aquela. Claro que na atitude de Sérgio Conceição há uma atenuante – e ele próprio a referiu – que é a elevada carga emotiva de uma vitória aos 90+8’. Mas também ele devia ter a inteligência emocional de compreender que aquilo que fez se admite e talvez até se encoraje dentro do balneário mas é mais difícil de justificar quando é feito à frente do Mundo inteiro.
O mesmo pode dizer-se da forma como Bruno Fernandes descarregou em cima das portas do balneário do Bessa a frustração do empate do Sporting e da sua própria expulsão com dois amarelos já perto do final do jogo com o Boavista. Sim, aquela reação acaba por ser normal – quem nunca deu um pontapé numa porta que atire a primeira pedra… – e, ao contrário de Sérgio Conceição, o capitão do Sporting até julgava estar protegido pelo recato do balneário, esquecendo-se que o Big Brother está sempre a ver-nos e que há sempre quem se disponha a libertar filmagens das câmaras de segurança. A questão é que Bruno Fernandes acabou por ser ali o mesmo Bruno que é em campo: a personificação da entrega e da capacidade de sentir o emblema, o jogador que Sérgio Conceição certamente gostaria que Nakajima fosse, mas a quem também faltou alguma coisa.
Sendo indiscutivelmente dotado de inteligência-tática, ao Bruno Fernandes sem travões que se vê com regularidade nos relvados nacionais continua a faltar a inteligência emocional que previna a repetição de incidentes como o do Bessa. E aqui não falo dos danos causados nas portas do balneário, mas sim no facto de toda a gente afeta ao Sporting se queixar de o capitão ter sido expulso com “dois cartões amarelos, quando só fez uma falta”. Ora é mesmo aí que quero chegar. Há algo nesta frase que desafia os princípios da lógica e que devia levar Bruno a pensar – é que o primeiro desses dois amarelos teve a ver com a supressão de uma inteligência que ele até tem, porque a mostrou na ponta final da época passada, quando, à bica da suspensão, esteve 14 jornadas sem ver um amarelo que o afastaria do jogo seguinte. E teve a ver com excesso de sentimento. Porque há pessoas assim, que sentem demais. Tudo. Até o emblema que usam no peito.