Bruno Lage foi eleito o melhor treinador do mês de Janeiro na Liga Portuguesa, batendo por pouco mais de cinco por cento dos votos (28,3% contra 23,1%) dos seus colegas profissão Micael Sequeira. Estão a ver quem é, certo? É aquele treinador que vai às flash-interview no final dos jogos do SC Braga e que, tal como Emanuel Ferro no Sporting ou como já aconteceu com Acácio Santos no Vitória FC e Joaquim Rolão Preto no Portimonense, dá à respetiva equipa técnica o diploma UEFA Pro que os verdadeiros responsáveis técnicos (Rúben Amorim, Jorge Silas, Sandro Mendes, Bruno Lopes…) não tinham. E este é o momento em que todos nos rimos para dentro porque estamos a consagrar a mentira e a fingir que ela é verdade só para não termos de mexer nos fundamentos de um sistema que está profundamente errado desde a base até ao topo.
Soube-se há dias que a Federação Portuguesa de Futebol tinha pedido à UEFA para atribuir o nível UEFA A (terceiro nível) a uma série de treinadores nacionais que se enquadravam num mecanismo existente, destinado a “jogadores com um mínimo de 50 internacionalizações A ou mais de sete épocas como profissionais na I Liga”. Um dos abrangidos pelo pedido foi Jorge Silas, atual treinador do Sporting, que dessa forma poderá candidatar-se ao nível seguinte (o quarto, ou UEFA Pro) assim que for organizado mais um curso – e ainda não se sabe quando nem onde isso sucederá. Sem esse pedido, tudo o que Silas poderia fazer era completar já o terceiro nível e trabalhar mais um ano antes de poder candidatar-se ao quarto, que é o único a permitir-lhe treinar na I Liga. Ou melhor, a permitir-lhe levantar-se do banco para gritar as suas ordens, comparecer nas flash-interviews e ser votado pelos pares nas eleições do melhor do mês na Liga, que treinar ele já treina.
Já se sabe que a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, pela voz do seu presidente, José Pereira, se manifestou contra este estado de coisas. Lamentavelmente, não ouvi nessa altura propostas de solução, mas apenas defesa dos associados que têm o curso. Como se Rúben Amorim ou Jorge Silas andassem a roubar empregos a quem tem legítimo direito a aspirar a eles. Aquilo por que a ANTF deve bater-se é pela criação de um sistema que seja justo – e este não o é. Não o é se olharmos para o topo da pirâmide, onde os ensinamentos recolhidos durante anos de carreira de alguma coisa hão-de ter valido – Rúben Amorim foi treinado por Manuel José, Augusto Inácio, Carlos Carvalhal, José Couceiro, Jorge Jesus, Quique Flores, Leonardo Jardim e José Peseiro e como é um tipo inteligente terá sabido tirar partido disso. Mas não o é sobretudo se olharmos para a base, onde estou cansado de ouvir relatos de jovens candidatos a treinador que simplesmente não ganham o suficiente como técnicos ou adjuntos das categorias jovens de pequenos clubes para poderem pagar o curso que lhes abre perspetivas de começarem a carreira. E estes casos são bem mais injustos do que os de Silas ou Amorim, que bem podiam ter começado a fazer os respetivos cursos ao mesmo tempo que eram jogadores – tinham tempo e dinheiro para isso, pelo menos.
Claro que há áreas da sociedade em que o formalismo faz sentido. É inconcebível para mim ser operado por alguém que não terminou o curso de medicina e não se especializou em cirurgia. Não me entra viver num prédio ou atravessar uma ponte que não tenham sido projetados por um engenheiro civil devidamente encartado. Mas aí estamos a falar de profissões que põem em causa vidas humanas. Treinar um clube de futebol, como escrever num jornal, são atividades diferentes, onde o saber de experiência feito tem valor. Digo-o eu, que comecei a escrever n’A Capital e no Expresso ainda como aluno de segundo ano de Comunicação Social e que, com a ascensão na carreira, nem sequer arranjei tempo para acabar o curso. E até já dei aulas de mestrado na mesma faculdade e no departamento em que (não) me formei. Percebo agora que devia ter arranjado um aluno encartado para as dar por mim.
Só uma pequena correcção, a ponte que atravessa deve ser projectada por um engenheiro já o prédio onde vive é um arquitecto quem projecta.
Excelente, análise corretissima como tem sido todos os seus comentários, para mim claro há quem não tenha as mesmas ideias. Abraço e continuação de bons artigos