A vitória do FC Porto frente ao Benfica na Luz (2-0) foi categórica e assentou em dois pilares fundamentais: uma organização defensiva superior e uma transição ofensiva que em alguns momentos foi letal. A ambos esteve subjacente uma análise perfeita das maiores virtudes do jogo do adversário e a capacidade estratégica de as anular, mas também a noção daquelas que são as suas debilidades, como forma de as aproveitar. Foi na capacidade de impedir uma boa saída de bola aos encarnados e de, mais tarde, lhes reduzir o espaço interior em criação que o FC Porto anulou um ataque que tinha feito 12 golos em três jogos oficiais. E foi, depois, na exploração do espaço atrás da última linha, sobretudo na zona de Ferro e Grimaldo, que encontrou forma de chegar ao golo.
O FC Porto começou a ganhar o jogo com uma pressão intensa sobre a saída de bola do Benfica. Eram sempre seis jogadores bem dentro do meio-campo encarnado, tornando difícil a habitual saída a três promovida por Bruno Lage, com o recuo de Florentino para a zona dos centrais. É o que se vê neste lance, logo aos 6’: Zé Luís impede que Florentino se torne solução, condicionando-lhe a movimentação; Uribe e Romário Baró apertam Samaris, impedindo-o de receber atrás da primeira linha de pressão portista e Marega está em espera, por um lado convidando Rúben Dias a circular por trás, dando à organização portista tempo de bascular, por outro preparando-se já para apertar Ferro no momento em que este receber a bola que inevitavelmente tem de ir ter com ele.

Muitas vezes, porém, o Benfica também esbarrou na imperfeição das ações dos seus jogadores mais recuados, que comprometeram quando se viram sem tempo ou espaço. Foi, ainda assim, o que sucedeu neste lance. Rúben Dias alargou, de facto, em Ferro, que até tinha Grimaldo mais à esquerda, pronto para dar seguimento à jogada. Os posicionamentos dos jogadores portistas adaptaram-se da melhor forma possível: Zé Luís e Uribe continuaram a “morder” Florentino e Samaris, Marega foi apertar Ferro, mas Baró tinha muito espaço para percorrer de forma a impedir a saída com qualidade por parte de Grimaldo. Ainda assim, lá estava, em rota de interceção. E acabou mesmo por conseguir impedir a saída do Benfica, ainda que muito por força da lentidão de Ferro a definir a jogada e da estranha incapacidade técnica de Grimaldo.

Quando o Benfica passava esta primeira linha de pressão e entrava com a bola no meio-campo portista, os jogadores de Sérgio Conceição tinham como missão principal fechar o espaço interior e impedir as combinações de Pizzi com Rafa ou que fosse dado espaço a este para meter mudanças de velocidade no jogo. Isso foi conseguido quase sempre graças a duas situações: a disciplina tática de Luís Diaz, o melhor em campo pelo que fez com bola, mas também pela forma como foi sempre inteligente e útil a defender, e a velocidade de decisão sem bola de Romário Baró, que era quem tinha a missão mais abrangente em termos de zona a cobrir no meio-campo azul e branco. Nesta imagem pode ver-se a organização impecável do FC Porto, com o meio-campo muito junto, a fechar por dentro, sem se importar de dar espaço aos dois laterais no momento em que Florentino cruza o círculo central em posse. Era um convite a que a bola entrasse num dos laterais.

A opção de Florentino foi sair pela esquerda (podia ter também preferido jogar em De Tomás, que tinha ido à procura de espaço), forçando mais uma vez o meio-campo portista a duas funções: bascular (lá vai Baró, mais uma vez…) e reduzir o espaço entre as suas duas linhas, tornando difícil que Pizzi e Rafa pudessem combinar entre eles sem serem apertados pela frente e por trás, pela junção dessas duas linhas. Foi o que aconteceu, aliás: Corona e Baró tiveram de alargar posicionamentos, mas a ação concertada de Uribe e Pepe impediu que Rafa pudesse arrancar para a baliza, numa altura em que o Benfica até tinha superioridade (3×2) na zona de definição. Já nesta altura se via que aquilo de que o Benfica precisava era de largura no jogo – e terá sido nesse sentido que Bruno Lage terá falado aos jogadores durante o intervalo, como vou demonstrar mais à frente.

Claro que a dimensão defensiva não esgotava o jogo do FC Porto. Os dragões raramente foram perigosos em organização ofensiva, apesar da preocupação de ter sempre dois homens em apoio próximo ao jogador que servia de referência à bola mais longa que geralmente ia na direção de Zé Luís. Mas em transição ofensiva foram muitas vezes letais, graças à enorme capacidade que tiveram de iludir a primeira zona de pressão benfiquista e, sobretudo, por terem sido sempre capazes de magoar o Benfica onde este mais sofre: no espaço atrás da sua linha defensiva, sobretudo na zona entre Ferro e Grimaldo. Foi aí que nasceu o segundo golo – passe perfeitamente temporizado de Otávio para Marega – como já tinha sido aí que tinha nascido a ocasião perdida por Marega, quando se isolou na cara de Vlachodimos. É verdade que o primeiro golo veio de bola parada, mas esta seguiu-se a mais um lance de contra-ataque que foi explorar o tal espaço previamente identificado. No lance, há também a realçar a enorme qualidade de Luís Diaz na forma como saiu de Nuno Tavares, atraiu Florentino e deu a bola a Marega no momento ideal, bem como a tardia perceção do que estava para suceder por parte de uma última linha muito mal definida pelo Benfica, com Rúben Dias demasiado profundo, a dar condição regular a Zé Luís.

A opção de Luís Diaz foi perfeita, porque entregar a bola diretamente a Zé Luís no espaço (que já lá estava) iria forçosamente afastar o cabo-verdiano da baliza e reduzir a vantagem do FC Porto. Com a linha benfiquista quebrada pelo colombiano, o lance só não deu golo por duas razões: a excelente defesa de Vlachodimos no momento de encarar Zé Luís e a má definição de Marega, cujo passe foi demasiado aberto, custando ao colega de ataque uma fração de segundo a mais em preparação e enquadramento com a baliza. O golo surgiria, no entanto, logo a seguir, no pontapé de canto que se seguiu a este contra-ataque.

Foi a primeira vez que o Benfica se viu em desvantagem esta época. E em todos os jogos até aqui se tinha visto um Benfica mais titubeante enquanto os resultados estavam a zero. O que acontecia depois era que, inevitavelmente, as linhas adversárias acabavam por alargar e dar a Rafa e Pizzi o espaço de que estes necessitavam para resolver desde a zona de criação. A disciplina defensiva do FC Porto, no entanto, não augurava nada de bom para a equipa de Bruno Lage, que aproveitou a lesão de Samaris para chamar ao jogo Taarabt. Objetivo: dar mais qualidade à segunda fase de construção, seja porque o marroquino se mostraria mais do que o grego na tentativa de dar linhas de passe aos três de trás, seja porque decide muito melhor com a bola nos pés. As duas virtudes ficaram bem à vista nesta saída de bola, logo aos 49’, não só porque Taarabt encontrou o espaço necessário para dar saída de bola a Rúben Dias, mas também porque definiu de primeira, encontrando Pizzi sobre a direita.

É que, a somar à entrada de Taarabt, Lage terá dado aos jogadores instruções para não abusarem dos passes verticais, indo mais em busca da largura, sobretudo sendo mais rápidos a variar flanco, para criar dificuldade à concentração de médios portistas na zona da bola – foi por isso que Pizzi começou a segunda parte bem mais aberto na direita do que é habitual. Neste lance, a velocidade de definição de Taarabt desmembrou a linha portista, sobretudo porque Danilo foi surpreendido pela saída súbita da bola daquela zona – com Samaris seria bem diferente… –, mas depois Pizzi não terá tomado a melhor opção. Quando um treinador pede mais largura, não quer dizer que a queira em todos os momentos, e este foi um dos raros lances do jogo em que, fruto da ação de Taarabt, o Benfica encontrou espaço entre as linhas portistas. Pizzi tinha De Tomás à frente de Uribe, de frente para a área, pronto a lançar Seferovic em zona de finalização, mas optou por variar totalmente o flanco, solicitando a intervenção de Grimaldo no extremo oposto do campo. Obrigou a organização defensiva portista a correr, mas isso não chegou a ser um problema.

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