Muita gente se tem centrado no facto de António Costa não receber hoje, na qualidade de primeiro-ministro, presidentes de outros clubes além dos três grandes. Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira e Frederico Varandas vão ser os únicos a servir de “guarda-de-honra” a Fernando Gomes, líder da Federação Portuguesa de Futebol, e isso é visto por alguns quadrantes como mais um reconhecimento de que os outros são apenas carne para canhão. A mim, contudo, não é isso que me faz confusão. O que me faz confusão é que na reunião não estejam o líder dos jogadores, o presidente dos árbitros e, sobretudo, o presidente de uma Liga que de tão conciliadora querer ser acabará por se tornar irrelevante.
Até entendo a dimensão de relações públicas da reunião desta tarde. Numa altura em que o clima no futebol português é de injúria permanente, juntar à mesa os líderes dos três clubes grandes é quase um feito digno do Nobel da paz, seja ele atribuído a Costa ou a Gomes – falta esclarecer quem teve a ideia, embora eu tenha as minhas suspeitas. E isso, se passar uma boa imagem de um setor que os não-apaixonados tendem a desprezar mais a cada dia que passa, por ser uma constante baderna, já será um bom serviço ao futebol. Mas se a ideia da cimeira de hoje é discutir/comunicar a melhor forma de o setor voltar a laborar, então só posso concluir que faltam lugares à mesa. Falta alguém que seja capaz de ver as coisas do lado dos jogadores e dos árbitros, sem os quais não há jogos. Mas, como ainda hoje de manhã me dizia um dos interessados, “a verdadeira guerra nem é essa”. Falta, sobretudo, a Liga, que é responsável pela organização dos campeonatos profissionais.
É claro que seria uma idiotice achar que o primeiro-ministro poderia convidar para a cimeira todos os presidentes de clubes do escalão principal. Quando chamou os empresários da distribuição, Costa também só lá teve os principais hipermercados, da mesma forma que só vai receber os maiores promotores de espetáculos e não todos os organizadores de concertos que Portugal alberga. Mas o que está em causa no futebol é o reatar das competições, a mais importante das quais é a Liga. E a Liga não estará presente. Porquê?
Aqui convém distinguir ação e consequência. A consequência é a noção da cada vez maior irrelevância do organismo liderado por Pedro Proença, que devia andar a par da FPF e não na sua sombra quando se trata da inegável ação federativa em prol da modernização do futebol. A ação foram os quatro anos de busca incessante de conciliações e compromissos, de fuga permanente aos confrontos que pudessem fragilizar ainda mais um organismo que já vinha debilitado da irresponsável presidência anterior.
A verdade é que Proença sempre teve boas ideias mas nunca quis muito pô-las em prática. Uma, evidente, é a centralização dos direitos televisivos e posterior redistribuição equilibrada da receita pelos 18 participantes no campeonato, de modo a potenciar a competitividade. Tal como fez com outras ideias potencialmente fraturantes, Proença defendeu esta medida, mas recuou sempre que anteviu que a sua aplicação pudesse colocá-lo em confronto com os poderes dominantes – que são os que vão estar hoje à mesa, a começar pelos três grandes. Isso, no entanto, está a transformar a Liga num poder tolerável em vez de ser um poder de facto. E o resultado está à vista: se quiser saber o que se discutiu, Proença vai ter que esperar por uma conferência de imprensa. E isso, na verdade, não é normal.
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